
Disco de “Carapó e Cambay”
Sérgio Fleury MoraesDa Reportagem LocalAos 81 anos — 83 no documento, onde “ficou” mais velho para poder casar —, o radialista José Ferreira dos Santos já se enveredou pela música, gravou discos e entreteu públicos de festas, circos e parques de diversões. Isto foi há muitos anos, no início da década de 1960, quando José ganhou o nome artístico de “Carapó” e fazia dupla com um desconhecido “Cambay”. O parceiro, na verdade, era José Alves dos Santos, que anos depois ganhou fama sob o nome artístico de José Rico.
Carapó não virou “milionário”, já que Cambay desfez a parceria que durou quase seis anos. Porém, a amizade continuou até a morte de José Rico, em março do ano passado. Humilde, ele foi policial, operário em usinas do Paraná e radialista em incontáveis emissoras do interior do País.
Foi, inclusive, radialista da Difusora AM de Santa Cruz do Rio Pardo nos anos 1990, onde morou alguns anos. “Era a época do saudoso Amerquiz Júlio Ferreira, que me convidou para fazer um programa. Usava o nome J. Santos”, contou. Hoje, o ex-policial mora em Ourinhos.
As vidas de Carapó e José Rico se cruzaram por acaso. O radialista nasceu na Bahia e Rico, em Pernambuco. Mas os dois se encontraram na cidadezinha paranaense de Terra Rica — daí a origem do nome artístico do cantor que ganhou fama com Milionário. Antes da parceria, Carapó já tinha formado uma outra dupla, batizada de “Meia-noite e Alvorada”. Cantava em emissoras de rádio, mas a música não colocava o pão na mesa da família. Então, trabalhava como operário na construção civil.
Foi, então, que encontrou José Rico numa roda de amigos. Um deles lembrou que os dois cantavam e pediram uma “palhinha” a duas vozes. “Sinceramente, parecia uma dupla que já tocava há muitos anos”, lembra o radialista. Daí para o surgimento de “Carapó e Cambay”, em 1965 foi questão de tempo. Os nomes, aliás, foram sugeridos por José Rico. No início, o grupo chegou a formar um trio com Andrezinho, que se retirou logo depois para seguir outra carreira.
Carapó e Cambay, então, passaram a se apresentar em circos e festas, mas os dois continuaram trabalhando na construção civil. Carapó brinca que Rico não era muito afeito ao serviço pesado. “Ele parava toda hora para mostrar uma música”, lembra, “mas sempre teve um coração enorme”.
O desinteresse de José Rico pelo trabalho corriqueiro acabou provocando atritos entre os dois. Nada grave, mas Rico acabou conhecendo Romeu Januário de Matos, cantaram juntos e o novo amigo até brincou com o apelido estranho: “Se você é rico, então sou milionário”. O nome Cambay desapareceu e surgia a famosa dupla Milionário e José Rico, que conquistaria o País.
Porém, apesar de chateado, Carapó continuou seguindo José Rico e várias de suas composições foram gravadas por “Milionário e José Rico”. Até hoje, por sinal, ele recebe direitos autorais pelas antigas canções gravadas.

José Ferreira dos Santos seguiu carreira como radialista. Da Difusora de Santa Cruz, mudou-se para Ourinhos, onde trabalhou nas rádios Sentinela e Clube. De vez em quando, ele ainda se encontrava com o antigo parceiro. “O Rico sempre dizia que, quando eu estivesse cansado do rádio, me daria dez alqueires e dez vacas. O problema é que nunca enjoei do rádio”, contou.
Há alguns anos, foi convidado por José Rico para conhecer a mansão do cantor em Americana. “Fiz questão de contar os cômodos, já que a casa tem 172. O interessante é que ele pediu para eu abrir um quarto e lá dentro tinha duas poltronas reais folheadas a ouro. Fiquei surpreso, mas ele disse que era coisa dele, uma mania que não tinha explicação”, lembra.
Em janeiro do ano passado, Carapó se encontrou com José Rico antes de um show em Apucarana. “Percebi que ele não estava bem. O José Rico me disse que pressentia a chegada da morte e não tinha nem tempo para se tratar, pois os inúmeros shows não permitiam”.
Dias depois, durante o aniversário da cidade, Milionário e José Rico se apresentaram na “Festa do Peão de Boiadeiro” de Santa Cruz do Rio Pardo, batendo o recorde de público do recinto da Expopardo. Dois meses depois, Rico teve um ataque cardíaco e morreu em Americana. “Senti muito, mas não foi novidade. Eu já sabia que ele não iria durar muito tempo. Porém, outra primeira voz igual a José Rico ainda está para nascer”, elogiou o amigo, que até hoje ouve, com saudades, as canções de “Carapó e Cambay”.