A cachaça Verdinha

— Se o Papa experimentasse a nossa Verdinha sentiria na carne o prazer que uma boa cachaça pode nos oferecer.

— Os prazeres da carne e a reza não combinam.

— Não dá para tomar um golinho e rezar?

— Melhor rezar e tomar um golinho depois.

— De qualquer forma dá pra tomar o golinho?

— Sei lá! Melhor perguntar pro Papa.

— Pois vou perguntar mesmo. Tô pensando em ir ao Vaticano só pra levar uma garrafa da Verdinha de presente pro Chico. Aí aproveito e pergunto.

— Nem existe mais a Verdinha.

— Quem falou?

— Faz tempo que o Alambique fechou. O que sobrou já beberam.

— Aí que você se engana! Tem gente que ainda tem.

— Cheia?

— Cheia.

— Duvido.

— Tô falando. Meu tio que tem umas dez garrafas enterradas no quintal de casa. 

— Enterrou pra que?

— Porque sabe que se trata de um tesouro.

— E o que adianta enterrar e não beber.

— Acho que é pras próximas gerações beberem.

— Entendi. É para desenterrar só depois de enterrá-lo.

— Exatamente. Pra que os netos e bisnetos achem o tesouro e desfrutem do mesmo prazer que ele conheceu em vida.

— Sei.

— Mas acho que se eu falar pro meu tio que é um presente pro Papa é capaz dele desenterrar e me dá uma garrafa.

— Ele é católico?

— Não. Protestante.

— Então esquece.

— Mas o Papa é o Papa.

— Se fosse pro Pelé até acho que ele desenterraria. Mas pro Papa tenho minhas dúvidas.

— Você nem conhece meu tio.

— Mas conheço muita gente igual.

— Como você sabe que meu tio é igual?

— Porque são os que o Papa falou que bebem muita cachaça e rezam pouco.

— Mas o Papa falou que todos os brasileiros são assim.

— Porque é assim que o mundo tá vendo o brasileiro agora. Como o seu tio.

— Que que o meu tio tem com isso?

— Tem que são os amigos dele é que tão tocando a boiada agora.

— Que boiada?

— A que eles tão tentando passar pela porteira enquanto acham que ninguém tá vendo.

— Que porteira?

— Porteira da falta de escrúpulos.

— Você bebeu?

— Não bebo.

— Sei. Só reza.

— Também não rezo.

— Tá endoidando então.

— Tô. Igual o Papa.

— Então tá então! Falta é cachaça boa procês.

— Desenterra que eu bebo.

Foi no boteco do Quinho. Estavam sentados numa mesa bem abaixo da foto do Papa, pregada na parede ao lado da foto de um grande ator. Entrei só para cumprimentar meu amigo e acabei ouvindo a conversa. Não resisti. Na saída reparei a enorme coleção de pinga sobre a estante próxima ao teto. Acho que o amigo do Papa nunca viu. Se tivesse olhado para cima e visto, não pensaria em pedir ao tio que exumasse o tesouro. Ali tinha uma. Cheia. Intacta. E verdinha.