A lapela

— Quando todos tirarem as máscaras veremos as caras que estão por trás.

— As máscaras já estão caindo sozinhas.

— Os caras não vão ter mais como se esconder.

— Mais cedo ou mais tarde, todas as máscaras caem.

— Veremos a cara dos verdadeiros doentes que desrespeitam a dor alheia.

— Tem umas que caem até mesmo antes do carnaval acabar.

— Doentes sem tratamentos para os seus abusos.

— Calma amor.

— Calma?

— Não é hora para isso.

— A hora é agora. Não podemos perder a chance de falar isso para o mundo.

— A entrevista é sobre o dia dos namorados.

— Mesmo assim. Vou dar um jeito de tocar no assunto.

— Eles cortam depois. Só mostram o assunto que interessa para eles. No caso, o amor.

— Estou justamente falando de amor. Amor pela vida. Pelo outro. Pela humanidade. Pela verdade. Pelo sagrado.

— Você está viajando. Qual sentido disso?

— Sentido de mostrar onde está o verdadeiro amor.

— Ela só vai perguntar da nossa relação. Como a gente vive juntos, nossos sentimentos.

— Amor não é sentimento! Amor é experiência! É realidade!

— Nossa amor! Caiu o microfone da sua camisa! É a exaltação! Relaxa um pouco.

— É só prender de novo.

— Espera a repórter voltar. Deixa que ela arruma o microfone.

— Não precisa. Eu mesmo arrumo. Já tive um de lapela como este.

— Para que?

— Para dar aula.

— Nem sabia que chamava assim.

— Na verdade “Lapela” é o nome da gola do terno. Ou da camisa, sei lá.

— Isso eu sei.

— O microfone é só um refém desse nome, causado pela necessidade de estar fixado na lapela para que possa cumprir a sua função de captar o som das falas, para que seja potencializado ou gravado em algo material, com o objetivo de garantir registros aos seres-humanos.

— Nossa! Tudo isso por causa do microfone que caiu? Que viagem!

— Os registros são importantes para os seres humanos.

— Registrado.

— Só eles podem transferir o conhecimento e a sabedoria para que os seres humanos possam superar a vida e continuar o que são capazes a favor do aprimoramento da sociedade, do seu hábitat social e material. 

— Você não pretende falar disso também para a repórter, né?

— Aliás, tecnicamente, a função da lapela de suporte para um microfone é muito mais útil e interessante do que a sua função de garantir a elegância em casamentos.

— A repórter está voltando. Acho melhor você aterrizar.

— Digo, a lapela serve mais ao microfone do que ao vestuário.

— Eu entendi. Só não lembro como você chegou nisso.

— Cheguei por causa do amor.

A repórter voltou. O casal interrompeu a conversa para ouvir a explicação de como seriam as perguntas. Começaram a gravar logo depois de tirarem as máscaras e dar a última arrumada no microfone. Eu estava ali de curioso e acabei ouvindo tudo. Não resisti. A entrevista não teve nada de interessante. Foi rápida. Tirei algumas fotos. Só para registro.