As passagens

— Basta estar vivo para estar em perigo.

— Viver sempre foi perigoso.

— O pior é enxergar o perigo e não conseguir fazer nada.

— Mesmo assim é melhor enxerga-lo. Se você enxerga o precipício as chances de cair são bem menores.

— Mas não tem como eliminar o precipício.

— Tem. É só encontrar outro caminho que não passe por ele.

— Se há aturas, há precipícios.

— Vai por baixo então.

— Por baixo não dá para enxergar longe.

— E para que que tem que enxergar longe?

— Para ver até onde a vista alcança.

— Te garanto que nada além do horizonte. Isso se tiver vista boa. Ou uns bons óculos.

— Se você não enxergar o horizonte jamais saberá onde está.

— Que nada. Para saber onde você está tem que olhar é para as estrelas. Para cima.

— Prefiro o horizonte. Para cima não há limites para a vista.

— Os óculos têm que ser bons.

— São.

— E quem é que quer limites?

— A vista. Para enxergar melhor.

— Aliás, o horizonte é limite só para a vista mesmo. Se a gente for andando o caminho vai além.

— Mas não além do mesmo lugar de onde você saiu. Se for sempre além chegará no mesmo lugar.

— Por isso prefiro a direção das estrelas. Tem como ir sempre além.

— Sem limites?

— Sem limites.

— Não chegará a lugar nenhum.

— Melhor lugar nenhum do que o mesmo lugar.

— Perigoso.

— Perigoso é ficar grudado aqui na terra rodando que nem tonto. Tentando enxergar alguma coisa que lhe indique onde você está.

— Faz parte. São os limites.

— Muito doido isso.

— Muito.

Conversavam dentro do Guichê enquanto atendiam os clientes que compravam as passagens. Ouvi, não resisti, enquanto esperava o meu amigo que estava voltando de viagem. Não sei se foi exatamente isso que falaram, mas foi o que consegui entender da conversa. Tinha um vidro na frente que não me deixava escutar direito. Limites.