O antes

- Ele só tomou essa atitude depois que passou vergonha!

- Ficou é com medo.

- Medo de passar mais vergonha!

- É o medo que coloca as pessoas no lugar.

- A vergonha também.

- É. Também. Não tem como negar. Mas o medo é mais forte.

- Ela é parceira das atitudes. Ela muda tudo.

- Ele também. E todo mundo tem. Ela, só a maioria. Não é todo mundo.

- Sim. Não tem como negar que medo é unanime. Basta ter um anus.

- Não entendi.

- “Abertura exterior do tubo digestivo, na extremidade do reto, pela qual se expelem os excrementos”. Quem tem, tem medo. É o que dizem por aí.

- Sem ele ninguém faz nada. Não vai a lugar nenhum.

- Ninguém nem sairia das fraldas sem a vergonha.

- Tem gente que sai delas por medo de apanhar ou de não ganhar mais sorvete.

- Mas pode ser também vergonha de apanhar e não poder mais entrar na sorveteria. Nem sempre é medo.

- É sim. Medo da vergonha, como você disse. O medo vem antes.

- Pode ser vergonha do medo e não medo da vergonha. A vergonha pode vir antes.

- Não. Sabe o porquê? Porque a gente tem que sentir primeiro o medo para saber se tem vergonha dele.

- Ao contrário. Só sente medo da vergonha quem já sentiu vergonha antes. A vergonha tem que vir primeiro.

- Sem medo ninguém ganha.

- Ganha o quê?

- Não perde.

- Então é vergonha de perder. De novo não tem nada a ver com medo!

- Sem o medo não existiria nem o dinheiro.

- Você não tá falando isso!? Não seria tão leviano. É sério?

- Sim. É sério. Só com medo se ganha o dinheiro.

- E a vergonha é o que você devera ter desse seu pensamento.

- Não tenho medo da vergonha.

- Deveria ter.

- Com medo e com o ego.

- O dinheiro?

- E ele todo mundo tem também. Igual ao medo.

- É. Isso sim. Não tem como negar. Quem tem, tem os dois.

- Mas não basta ter. Tem que inflar os dois.

- Ou os três.

- Começando pelo que vem antes.

- Antes do medo e da vergonha?

Saíram. A porta do elevador fechou antes da resposta. Continuei olhando para o espelho. Não resisti. Agora sozinho. Pelo menos até o próximo andar.