O bacon

— O que tanto a senhorita olha no celular?

— Tô vendo as fotos enquanto espero o lanche.

— Aqui demora.

— Olha esta que linda! É da frente de uma igreja com os enfeites de São João.

— Linda mesmo. De onde é?

— Meu amor acabou de enviar. Mora na cidade da foto.

— Qual cidade?

— Eu também tirei uma da nossa igreja. Mas acabei não enviando.

— Por que não?

— Ficou feia. Apareceu a grade que tem na frente. E nem deu pra ver os enfeites direito. A foto tinha que ser mais de perto.

— Então você tem que voltar lá amanhã. A praça da igreja está realmente muito bonita! Merece a foto.

— Lá não é praça não, senhor. É só o estacionamento da igreja.

— A senhorita é engraçada.

— O senhor é que é engraçado. Por que tá tirando o bacon do sanduiche?

— Porque não gosto de comer o bacon.

— E por que pede lanche com bacon?

— Gosto só do sabor. Como um tempero.

— Entendi. Só o sabor do porco sem comer o porco?

— O bacon.

— Sim. Só o bacon do porco.

— Na verdade, do porco, eu só gosto da costelinha. Assada.

— Acho que vou ter que ir em outra igreja assim que acabar o meu lanche. Ela não para de me pedir uma foto.

— A foto não era para o seu namorado?

— Ela já mandou um monte e eu nenhuma ainda.

— Volte amanhã cedo na praça então. Se der sorte, encontra ela aberta.

— Estacionamento.

— Senhorita. Aquelas grades são para a segurança da igreja.

— De quem ela tem medo?

— Ali era uma baderna de noite. Um bando de jovens desorientados.

— Um dinheirão da igreja pra se defender de crianças?!

— Foi uma doação dos fieis.

Dos que estacionam os carros?

— Atrevida você, hein menina!

— Aquele padre deveria é aproveitar pra se aproximar das crianças em volta ao invés de expulsa-las com uma grade.

— Ali tinha gente de tudo quanto é tipo.

— Eu sei. Inclusive eu e os meus amigos.

— Claro que também tinha gente do bem, como você. Filhos de amigos, inclusive. Mas corriam riscos.

— Como o senhor sabe que eu sou do bem?

— Reconheço de longe.

— E se o senhor tiver correndo riscos falando comigo?

— Jamais.

— Foi o senhor que se aproximou perguntando do celular! Eu não tenho nada com isso!

— Só quis conversar enquanto comia.

— Eu nem tinha reparado no senhor. Só vi o bacon em cima da mesa.

— Gosto de conversar.

— O senhor nem imagina o tipo de gente que eu sou!

— Tipo engraçada e atrevida.

— Você que pensa! Cuidado. Ufa, meu lanche!

— O meu já foi. Deus te abençoe menina.

— Amém. Paz de Cristo, senhor.

Ela começou a comer antes do senhor se levantar. Esperou ele sair e começou a rir. Voltou a olhar as fotos entre uma mordida e outra. Continuou sorrindo. Eu já tinha terminado o meu faz tempo. Fiquei mais um pouco só para ouvir a conversa. Não resisti. Saí e fui dar uma olhada nos enfeites de São João da cidade. Em outras igrejas, claro. Sem grades. E com praça.

(Magú)