O galo

— Tem um galo perto de casa que tá cantando muito antes do Sol nascer. Não aguento mais!

— Tem que acertar o galo então.

— É novo na vizinhança. O outro, o de sempre, continua cantando britanicamente com o Sol. Só que quando ele canta eu já acordei faz tempo com o desregulado do recém-chegado.

— Deixa ele. Coitado. Acho que só quer cantar primeiro do que o outro.

— Coitado de mim.

— Quer mostrar quem é que tá dominando o território.

— E tem que mostrar duas horas antes dos outros?! Cinco minutinhos antes já garantiria o status.

— São arrogantes.

— Nem todos.

— Todos. Territorialistas. Briguentos. Violentos.

— Tem galo de tudo quanto é tipo. Na verdade, a maioria canta um pouco antes do Sol nascer. Mas tem os que cantam junto com o Sol e os que cantam depois do Sol. Agora, bem antes do Sol só o lazarento do meu vizinho.

— Dizem que o Galo acha que o sol nasce para ouvi-lo cantar.

— Vai saber porque os Galos cantam!

— Ou para quem...

— Canta pra Galinha, ué. Mas todo mundo é obrigado a ouvir.

— Acho que são solitários.

— Solitário sou eu.

— Por opção.

— O Galo?

— Você.

— Acho que o Galo também.

— “Crínton, devemos um galo a Esculápio: dai-lho a ele e não vos esqueceis.”

— Que isso?

— Sócrates. Um pouco antes de realizar sua opção. Joga no Google.

— Arrogante.

Ouvi, não resisti. Era de manhã. Ainda se ouvia os galos. Resolvi voltar para casa e sair só depois do almoço. Passei a manhã com o Sócrates. No Google.