Os abacaxis

— Você tem que ser tolerante. Eles sempre foram assim.

— Se eu não fosse tolerante não estaria conversando com você agora.

— É reciproco. Com certeza é você o maior responsável pelo alto nível de tolerância que tenho hoje. Te agradeço profundamente pelos anos de prática.

— Mas tolerância tem limite.

— Tudo tem limite.

— Se eles são intolerantes não posso tolera-los por perto.

— Você está errado. Eles sempre estarão por perto, você sabe disso. As pessoas são essas que estão aí. Só lhe cabe tolerar. E tolerar ainda é pouco. É só o mínimo que você pode fazer.

— Pois a minha mínima tolerância termina na mínima intolerância do outro.

— Essa teoria só se aplica à liberdade individual, não tem nada a ver com tolerar ou não tolerar.

— Estou falando de coisa que existe. Liberdade individual nem existe mais. Foi extinta faz tempo.

— Ainda chegará o dia que a intolerância também será extinta da humanidade.

— Posso até tolerar aquelas pessoas. Mas aceitar jamais. Não concordo com o que elas fazem. E muito menos com as asneiras que falam. São nefastas!

— Desse jeito você vai acabar ficando sozinho. Sem amigos por perto. Sem ninguém.

— Melhor. Prefiro. Livre de todos.

— Impossível.

— Pelo menos longe de todos.

— Impossível também.

— Somente eu por perto de mim mesmo.

— Você não se toleraria por perto. Tenho certeza disso.

— Prefiro viver intolerante comigo sozinho do que ter que tolerar os outros o tempo todo.

— Você está completamente enganado. E estará cada vez mais enganado sem ninguém por perto.

— Prefiro o autoengano solitário do que abrir mão do certo para conviver com os enganos alheios. Quero paz interior.

— A paz pressupõe a convivência.

— Não a minha.

— Acho perigoso.

— Perigoso ficar só?

— Não. Gente só.

Conversavam enquanto caminhavam lentamente carregando quatro abacaxis. Dois com cada. Um em cada mão. Saímos ao mesmo tempo do Hortifrúti. Caminhei junto, logo atrás, por uma quadra. Acabei ouvindo a conversa, não resisti, até conseguir passar à frente para caminhar mais rápido. Tem gente que anda muito devagar e acaba atrapalhando o caminho dos outros. Tolerei. Mas até um limite.