Sobre o capeta

— O demônio é um mentiroso. Ele mente para nos confundir. Ele mistura as mentiras com verdades para nos atacar.

— De onde você tirou isso?

— Tá no “Exorcista”.

— No filme?

— O Capeta é cheio de armadilhas.

— Tem todas no filme?

— Ele tenta nos iludir o tempo todo. A cada segundo.

— Nunca assisti “O Exorcista”.

— Mas o destino do mentiroso é ninguém mais crer nele.

— Com certeza. Essa é a sua punição. Ninguém acreditar mais nele. Mesmo que diga uma verdade.

— O Capeta caíra antes do Apocalipse.

— Para de falar de Capeta! Assim você atrai o Coiso. Não é bom ficar falando seu nome não.

— Quem tem medo de Capeta morre queimado ou espetado.

— Não é medo. É precaução.

— Os ingênuos acreditam nas suas mentiras!

— Para mim, acreditar no Coiso já é ingenuidade.

— Quando você menos espera está sendo enganado por ele. Mesmo que você não acredite.

— Ele é pura fantasia! Essa é a verdade.

— Ele vive em você sem que você perceba. Pode te iludir a qualquer momento.

— Acho que é você que está completamente iludido com essa história de Coiso. Esquece isso! O Coiso não existe. É uma mentira contado por algum imbecil que não tinha mais o que fazer da vida. Eu não acredito.

— Se você não acredita, por que tem medo de falar Capeta? Por que só fala Coiso? É mentira que você não acredita. Mente para si mesmo. É o Capeta agindo dentro de você. Escondendo as verdades.

— Não acredito e ponto final.

— Está com medo das verdades? Está sendo iludido pelas mentiras do capeta.

— Só existe um ser no planeta terra que é capaz de mentir. O ser humano. E esse seu Capeta aí está longe de ser humano.

— Quem disse?

— Eu mesmo!

— A verdade dói ao mentiroso.

— Dói é ficar perdendo tempo com esse seu papo.

— Você finge que não dói.

— Finjo teu rabo!

— O fingimento também é obra dele.

— Sai pra lá Diabo dos inferno!!!

Falou e levantou. Foi embora no meio do jogo. O amigo continuou sentado na mesa da praça com as peças de Dominó à sua frente. Ficou olhando um bom tempo para as que sobraram na sua mão. Sem piscar. Provavelmente ainda pensando nas mentiras do Capeta. Eu fiquei o observando enquanto tentava lembrar como era o verso do Fernando Pessoa que me veio a cabeça durante a conversa dos dois. O do Poeta fingidor que finge que é dor a dor que deveras sente. Acho que tem um completamente no meio. Não lembrei direito na hora. Fui embora antes dele tirar os olhos das peças. Eu estava com pressa, não poderia nem ter parado para ouvir a conversa, mas não resisti. Mentira, na verdade eu acabei ouvindo sem querer.