O nosso Carnaval

Como vocês sabem, trabalho com crianças neuroatípicas. Para quem não está familiarizado com esse termo, é considerado neuroatípico aquele que tem o desenvolvimento neurológico diferente do que é considerado uma “normalidade”, ou seja, essas pessoas apresentam alterações no funcionamento cognitivo, comportamental, neurobiológico e neuroanatômico. Assim, crianças com autismo, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, deficiência intelectual, dentre outros, são consideradas neuroatípicas.

Devido a essa diversidade de fatores, as pessoas neuroatípicas podem apresentar enormes dificuldades para atividades rotineiras (e também para aquelas que raramente ocorrem, como o carnaval), com incômodos a sons, aglomerações, cheiros, cores, percepções visuais, temperatura, etc. Fica fácil entender, portanto, que festinhas de carnaval (e outras festinhas comuns na vida das crianças) nem sempre são locais agradáveis para meus pacientes.

Contudo, desde que sonhei a clínica, sempre tive muito claro dentre os meus objetivos, a importância de proporcionar momentos realmente inclusivos para minhas crianças. Sei que para elas e suas famílias, uma simples ida à lanchonete pode ser transtorno, quanto mais ir a uma matinê de carnaval. E por isso já fizemos diversos eventos inclusivos, já criamos vários momentos no quais nossas crianças neuroatípicas puderam ser apenas C-R-I-A-N-Ç-A-S. Sem olhares alheios, sem julgamentos, sem constrangimentos. Uma criança sendo criança.

E assim foi o NOSSO CARNAVAL. Porque criança neuroatípica também tem o direito de se divertir numa festinha de carnaval pensada para ela: música mais baixa, marchinhas carnavalescas infantis, brincadeiras adaptadas para serem realizadas por todos, lanchinhos que agradam seus paladares (e para aqueles que tem seletividade intensa, uma marmitinha que não será censurada por olhares curiosos), presença dos pais para auxiliar (além de garantir apoio e estabilidade emocional), previsibilidade (os que tem maior dificuldade com as novidades conheceram o lugar anteriormente e puderam fazer uma adaptação) e supervisão de toda uma equipe terapêutica capacitada para ajudar e garantir a diversão da galerinha.

O resultado disso? Uma festa cheia de diversão, carinho e respeito. Afinal, não celebramos apenas o carnaval, mas também a neurodiversidade em toda a sua exuberância. Confesso a vocês que o cansaço é grande - mental e físico-, pois tudo é preparado com muita atenção para que nossos pequenos possam se divertir sem dificuldades. Mas a sensação é de missão cumprida! Hoje, meu coração está cheio (pra ser sincera quase explodindo) por ver a felicidade na carinha deles, por ver o sorriso de satisfação no rosto dos pais, por poder construir memórias afetivas com crianças, famílias e com a equipe que amo tanto. Hoje, meu coração é pura gratidão pelo nosso Carnaval!a