Apenas mais um

“Aqui jaz Marcos Paulo Silveira, um grande entre os grandes”. Essa foi a primeira coisa que Cacá leu ao entrar com seu tio paterno no Cemitério Municipal de Ourinhos, onde estava enterrado seu saudoso pai. A mensagem estava escrita em uma belíssima lápide de mármore e era impossível passar por ela desapercebido, criando automaticamente, em todos os visitantes, uma fagulha de curiosidade para saber quem teria sido o defunto enquanto seu coração ainda batia.

Para sorte do garoto, seu tio era contemporâneo de Marcos Paulo e lembrava-se bem dele enquanto jovem, muito antes de sofrer o acidente automobilístico fatal que o vitimou em 2044.

— Marcos era um grande homem, realmente! Diferenciado, inovador, uma pessoa única! Daquelas inesquecíveis, passe o tempo que for — explicou rapidamente o tio, já preparado para uma enxugada de perguntas do sempre curioso sobrinho, inquieto em seus 12 anos de idade.

— Mas o que tanto ele fez enquanto moço, tio? Também quero ser assim, lembrado para sempre!

— Embora estudássemos na mesma escola, não éramos amigos, mas o admirava muito e todos pensavam o mesmo, queriam estar perto dele. Ele sempre passava por nós no corredor com um Vert Shoes, sonho de consumo para quem queria estar na moda em 2022.

— Hum, entendi… Mas o que ele fazia?

— Ah! Muitas coisas! Era uma pessoa única. Lembro-me bem dele postando fotos dos batimentos cardíacos numa rede social chamada Instagram, era incrível como mandava bem nos esportes.

— E o que ele jogava? Jogou em algum time profissional, tio? Vai dizer que era jogador de futebol?

— Não, não… Ele publicava sua vida na internet, então todos sabiam sobre suas atividades. Era incrível seu desempenho também na academia, e ainda por cima dava dicas sobre alimentação saudável, com fotos do café da manhã e tudo mais… Nos esportes, era fera no Beach Tennis antes de se tornar esporte olímpico… Nunca o vi jogar pessoalmente, mas sempre postava fotos da raquete e dava pra ver que praticava diariamente.

— Certo… Mas e quando não estava nos esportes? O que fazia para se divertir?

— Ah! Agora você chegou no ponto forte do Marcos Paulo. É meio impossível falar dele sem falar de esportes, todavia também estava sempre envolvido em festas muito interessantes. Aqui na cidade, sempre frequentava alguma festinha e trouxe, de São Paulo, um evento diferente… Não lembro o nome, acho que era “rooftop” ou algo assim… Era um cara sinistro! Tomava gin tônica, você tem noção de como isso era demais?

— Não, tio… Era?

— Ô! E nos carnavais então? Sempre ia para São Paulo para participar dos bloquinhos de rua na Santa Cecília, vestido com uma espécie de saia transparente, todo fantasiado… Nunca saí com ele porque meu carnaval era aqui, com minha turma e curtindo o feriado, mas sabe como é… Só pelas fotos dava pra ver o quanto era incrível, todos queriam sair com ele… Também participava de outros eventos sensacionais e até chapéu de cowboy ele usava para ir a festas de boiadeiro de outras cidades que você não conhece, como Jaguariúna e Americana.

— Eita, mas era do agro então?

— Não, não… Até parecia ser, mas só nos eventos mesmo. Trabalhou na empresa do pai, não sei muito bem o que fazia lá, só sei que era pontual como os britânicos. Todos os dias, no intervalo do meu serviço, via no Instagram que ele estava chegando para trabalhar, sempre com indicação das horas e uma bela mensagem motivacional. Não sei como ele fazia aquilo! Ah, e pensando bem, talvez trabalhasse também com vinhos ou carnes, porque gostava do assunto e costumava dar dicas sobre isso em seu Instagram.

— E a família? Ele não postava nada da família?

— Ah, dificilmente… Estava sempre variando as namoradas e cada hora com um carro diferente, mas pouco aparecia nos eventos familiares… Só sei que a família dele era impressionante também, porque quando se juntavam, só pelas postagens já dava para sentir como eram unidos, só gente especial! Uma das namoradas dele, aliás, é até hoje lembrada por todos, tão incrível quanto Marcos Paulo… Dava dicas sobre esmaltes, sobre locais para frequentar na cidade grande e até contava pequenos causos do seu cotidiano… As outras meninas tentavam copiá-la, porém sem sucesso, todos sabiam que eram ambos únicos, um casal sem igual.

— E quando ele morreu, tio?

— Nossa! A cidade parou! Sua família até hoje sofre com sua partida e fez essa lápide maravilhosa para homenageá-lo. Você disse que queria ser lembrado, né? Pensando bem. desculpa, vai ser difícil, você parece demais com o tio aqui, hahaha. Passa o tempo se divertindo na rua, cada hora tem um amigo novo, joga bola no ginásio, fica feliz de estar sempre com a família em lugares comuns como no quintal da sua avó ou então na praça com a galera…. E com certeza, quando tiver uma namorada, será também como eu: um bobão! Vai tratar a moça bem e querer estar com ela, sem aparecer cada hora com uma pessoa diferente… Quem admiraria alguém assim? Sinto muito, Cacá, mas não seremos lembrados como ele. Somos comuns demais para isso!