Enzo Pellegrino

Filho do pecado

Coluna de Enzo Pellegrino Pedro

Filho do pecado

Publicado em: 13 de fevereiro de 2023 às 19:13

Criado em Caporanga, pequeno distrito da secular Santa Cruz do Rio Pardo, no interior de São Paulo, João Bonaventura sempre foi admirado por seus familiares. “Esse é decidido como o pai!”, costumava bradar Mario, seu avô paterno e possivelmente maior fã, a quem chamava carinhosamente de “Super Mario”.

A família Bonaventura tinha raízes na região e se orgulhava disso até a última gota de sangue. Criados para prosperar e orar. Todos religiosos e assíduos frequentadores da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, onde o patriarca “Super Mario” se tornou ministro da eucaristia ainda na juventude e criou relacionamentos que possibilitariam alavancar a empresa familiar, transformando-a numa potência nacional na produção de maquinários agrícolas.

João, no entanto, não precisou praticar as manobras do avô para enriquecer. Tampouco precisou conviver com falatórios sobre uma suposta origem ilícita da fortuna acumulada. Nascido já em berço de ouro, de Mário havia herdado o dinheiro, a personalidade e a absoluta intolerância com imoralidades. “O mundo está perdido, mas a indecência fica da porta para fora, nunca sob o teto dos Bonaventura”.

Assim cresceu, com orgulho de si mesmo e tirando boas notas na escola – com uma certa colaboração do corpo docente –, mas preferia dizer que o mais importante a escola não ensinava, especialmente quando os garotos de sua turma tiravam notas melhores.

A vida de João seguiu resoluta até ser aprovado no vestibular para frequentar o curso de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, onde se deparou com o inesperado: uma paixão fervorosa e avassaladora por Maria Eduarda, estudante do curso do Direito do Largo de São Francisco, da USP. Conheceram-se Conheceu em uma festa e ficaram juntos por duas semanas naquele amor físico que mal permite tempo para muitas conversas, mas bastaram dois ou três tentativas de saírem em turmas para ele perceber onde estava se metendo.

Isso porque a garota e seus amigos pareciam viver em outro mundo, desrespeitando qualquer código de conduta na hora de se vestir, nas opiniões e nos costumes. Sentar numa mesa de bar e ouvir opiniões contrárias ele até achava normal, mas daí a aceitar um melodrama sobre indígenas, celebração de cotas raciais e um monte de outras groselhas… Aguentou calado o quanto pode e guardava suas opiniões para debates acalorados com Maria Eduarda quando estavam a sós, porém sempre mantendo exposta sua orgulhosa herança genética: a intocável rigidez moral.

Foi como se vivesse 3 anos em apenas 3 semanas, tamanha a intensidade de sua paixão e o conflito de ideias. Achava até que conseguiria levar as coisas dessa forma por mais tempo, porém tudo mudou numa manhã de sábado, quando escapou do ninho de amor para comprar um refrigerante na padaria da esquina e por pouco não esbarrou em um indígena idoso por pura distração. Reconheceu a origem ancestral pelo estereótipo e paralisou quando seus olhos se cruzaram. “Vagabundos! Todos! Especialmente os velhos que sempre tivemos que sustentar e que atrapalham o desenvolvimento do país!”, havia dito na noite anterior. Mas naquele momento sentiu algo diferente, o tempo congelou e somente um cumprimento educado do senhor o fez voltar à realidade.

A resposta foi um brusco empurrão no senhor, que caiu ao chão. Correu então de volta para casa, fez as malas e bateu em retirada para Caporanga. Cruzou a Rodovia Castelo Branco num piscar de olhos, remoendo o ocorrido enquanto sua cabeça latejava, e só lembrou de respirar quando se viu já fora do automóvel, entrando na paróquia frequentada por sua família.

Para sua sorte, lá estava Frei Vinicius, com quem foi ter em claro tom de desespero:

— Padre, preciso me confessar!

— Há quanto tempo, meu filho! O que o traz à paróquia nesse destempero todo?

— Vim falar com o senhor porque pequei, padre! E não foi pequeno meu pecado, cometi um erro terrível!

— Fique calmo, jovem — disse o padre. E me conte com calma: o que você fez de tão grave?

— Por um momento, duvidei de mim mesmo e dos valores corretos, padre! Mas agora voltei para cá, e é definitivo. Na cidade grande o mundo parece estar do avesso, ninguém tem Deus no coração. Melhor viver aqui mesmo, onde sabemos quem é quem e evitamos surpresas desagradáveis…


Enzo Pellegrino

Enzo Pellegrino

Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo


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