Enzo Pellegrino

Futebol & Política

Coluna de Enzo Pellegrino Pedro

Futebol & Política

Publicado em: 10 de dezembro de 2022 às 12:32

Esse final de ano tem sido único para o brasileiro, já que, além das turbulentas eleições, tivemos essa alteração de datas para experimentar uma Copa do Mundo também pertinho da virada do ano.

Com isso, como era de se esperar, os ânimos permaneceram acalorados, seja para torcer pelo Brasil ou na incessante discussão sobre as eleições presidenciais, que perdurará talvez para sempre para aqueles que insistem em não aceitar a escolha democrática do povo brasileiro.

Esse calor desperta paixões e faz borbulharem discussões que misturam futebol e política, para desespero de quem acha que os assuntos caminham em paralelo, sem se cruzar.

Ainda que pareça óbvia a relação entre os mais poderosos institutos do nosso país, às vezes é necessário mostrar o óbvio àqueles que se recusam a enxergá-lo — ou enxergam, mas são mais teimosos que uma mula e preferem ataques gratuitos para não ter que enfrentar a própria ignorância. “Nada a ver, o importante é bola da rede” é um argumento que serve bem para vencer jogos, para simplificar as coisas e criar as próprias regras segundo as quais o assunto só é importante quando te interessa, mas que não é suficiente para alterar a realidade.

A história, no entanto, traz diversos exemplos desse emaranhado existente entre campos e palanques. Não fosse assim, como se explicaria a utilização do futebol por governos nacionalistas e fascistas desde a popularização do esporte, na década de 1930? Teria, depois do fiasco da Copa de 1966 (a seleção brasileira foi eliminada na primeira fase), o governo ditatorial brasileiro, sob o comando de Castello Branco, intervindo na então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e impregnado a instituição de militares?

Para quem não sabe, nosso mais famoso escrete canarinho foi objeto de propaganda do então presidente Emílio Médici após a conquista da Copa de 1970. Ele usou o título para promover o governo e ofuscar a prática cruel de censura, tortura e repressão contra o povo brasileiro, e já havia demonstrado seu poder ao exigir a convocação de Dadá Maravilha ao então técnico João Saldanha, que ganhou de Nelson Rodrigues o apelido de “João Sem Medo” ao negar o pedido, peitar o governo, denunciar a ditadura e se ver substituído por Zagallo, que pegou o trem em movimento para ser tri-campeão do mundo e entrar para a história do desporto nacional.

Se quiserem saber um pouco mais sobre a história de apropriação da CBF por políticos para enriquecimento ilícito e abusos de poder, indico a série “O sequestro da amarelinha”, em formato podcast e apresentada por Jamil Chade e José Roberto de Toledo. Uma coprodução Revista Piauí, Swissinfo e Rádio Novelo.

Outra demonstração dos laços existentes entre futebol e política foi o famoso movimento apelidado pelo publicitário Washinton Olivetto como “Democracia Corinthiana”. Sob o comando de craques como Wladimir, Sócrates e Casagrande, ela revolucionou o sistema decisório interno do Corinthians e fez com que atletas se manifestassem publicamente a favor do movimento “Diretas Já” na década de 1980.

Nos últimos anos também tivemos outras tentativas de apropriação do futebol para distração popular ou propaganda política. O atual presidente Jair Bolsonaro posou para fotos vestindo a camisa de praticamente todos os clubes brasileiros (não generalizo porque a do São Paulo Futebol Clube ele não vestiu) e protagonizou momentos vexatórios ao levantar a taça durante uma conquista palmeirense e tentar se promover quando o Flamengo venceu a última Copa Libertadores da América, além de movimentar mundos e fundos para que a Copa América de 2021 fosse realizada em solo brasileiro durante a maior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos.

Todo esse contexto histórico mostra que futebol e política não apenas se relacionam, mas são indissociáveis. O povo brasileiro respira futebol e é a própria política, ainda que o mais popular dos esportes tenha sido apropriado pelos ricos nas últimas décadas — ou alguém acha que é possível, ao pobre, pagar as fortunas cobradas para assistir a um jogo da Seleção Brasileira?

Qualquer debate sobre o tema parece apresentar duas saídas: aceitar essa relação (invariavelmente perniciosa) entre futebol e política, o que não impede ninguém de gostar e debater sobre ambos os assuntos; ou negar o óbvio e frequentar apenas debates rasos sobre um ou outro. Aparentemente, os craques do penta já fizeram sua escolha e preferem atacar quem se nega a engolir, sem mastigar, o que lhes é colocado à mesa — no caso, um banquete folheado a ouro.

Temos bons e maus exemplos a seguir e mais de um caminho para escolher. Cabe a cada um pensar por si e não ser mimado a ponto de, por não saber ouvir verdades ou aceitar críticas, tentar transformar em motivo de chacota quem pensa de forma diferente e tem coragem para se posicionar.

No mais, resta apenas uma opinião de torcedor: se Tite tivesse a mesma coragem de João Saldanha e Walter Casagrande Júnior, o hexa não teria escapado novamente.


Enzo Pellegrino

Enzo Pellegrino

Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo


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