Enzo Pellegrino

Inesquecível

Coluna de Enzo Pellegrino Pedro

Inesquecível

Publicado em: 14 de março de 2023 às 14:32

 — O diagnóstico é muito simples: seu filho sofre de uma doença raríssima de esquecimento a curto prazo sobre nome e fisionomia de pessoas que ele não venha a encontrar novamente num prazo aproximado de 60 dias. Chamamos essa patologia de “Síndrome do Desconhecido”.

Esse foi o momento em que Dr. Douglas Chapatin finalmente desvendou o mistério que rondava o cotidiano da família Paiva, frequentadora assídua de consultórios de neurologia para tentar entender o que se passava com o pequeno Samir Paiva Junior (“Juninho” para a família e os amigos mais próximos), no auge dos seus 8 anos de idade.

A notícia chocou os familiares por alguns dias, mas logo acalmou um cenário de medo e angústia, especialmente para a mãe da criança. Não é difícil imaginar a infinidade de possibilidades que visitou seu coração em tantas noites maldormidas, e com o diagnóstico fechado e empiricamente comprovado, entenderam que ele era um menino diferente, porém poderia se adaptar e viver normalmente sua vida.

E assim foi. Juninho seguiu sua trajetória e terminou o ensino fundamental, o ensino médio, a faculdade e o mestrado sem maiores problemas e sem expor uma única vez a existência de sua síndrome, já que a convivência com todos ao redor era constante e não dava margem ao esquecimento. Tornou-se um psicólogo renomado e, graças à perspicácia de sua secretária, jamais esqueceu um mísero paciente, ainda que volta e meia fosse necessário inventar desculpas para que os atendimentos nunca tivessem mais do que 40 dias de espaçamento entre um e outro (prepararam-se com responsabilidade, deixando uma “gordurinha” de 20 dias). 

Mas como nem tudo são flores, o passar do tempo trouxe, com o avançar da idade, um grande cansaço ao agora Dr. Samir. A necessidade de interação constante com tantas pessoas foi se tornando cada vez mais exaustiva, para não dizer um grande fardo, e passou a invejar aqueles que antes criticava como ermitões, antissociais, isolados do convívio em sociedade por “não se ajustarem”.

Esse entendimento de que o ajuste vem do desajuste causou uma enorme mudança em sua maneira de enxergar o mundo e começou a não fazer mais questão de lembrar de todos os seus conhecidos. Com muito dinheiro, deu-se o luxo de uma aposentadoria precoce, trocou sua casa por uma chácara, a companhia de amigos desnecessários pela de seus cachorros, bebedeiras sem razão por leituras, filmes e longas trilhas pela mata que cercava sua propriedade.

Internamente, evoluiu; para a família, no entanto, transformou-se num monstro egoísta. Foi muito difícil para Samir, no começo, lidar com tantas cobranças e com uma falta de aceitação inexistente até mesmo quando todos souberam da síndrome. Essa ideia de que todos eram descartáveis, à exceção de pais e filhos, machucou todos os amigos e demais familiares, até mesmo aqueles que nem gostavam dele tanto assim, talvez por um conflito interno causado pelo ego. Ninguém quer se enxergar como desinteressante ao próximo.

A vantagem, obviamente, era poder simplesmente esquecer em apenas 2 meses. Antes um acumulador, praticou o desapego com pessoas e sentimentos e foi bem-sucedido na nova empreitada. Aprendeu a conviver consigo mesmo, se conheceu melhor e estava pronto para caminhar assim pelo resto da vida, só não conseguia acostumar com tantos desconhecidos reclamando dele onde quer que fosse. “Quem seria essa gente que não para de me encher o saco?”, pensava ao encontrar amigos antigos e parentes, insistentes no sentimento de revolta.

Num desses momentos, Samir estava numa frutaria abastecendo sacolas para mais um final de semana de reclusão quando encontrou uma senhora comprando maçãs e foi cumprimentá-la, chamando-a pelo nome e relembrando momentos passados. Perto dele, uma outra senhora, bufando pelas narinas, interrompeu a conversa de forma brusca: 

— Rapaz maldito! Não lembra de mim?

— Não, senhora, me desculpe. Deveria reconhecê-la?

— É claro que sim! Sou sua tia! Irmã do seu pai, sua madrinha de batismo! 

— Desculpe mais uma vez, mas se a senhora é quem diz ser, certamente conhece a razão do meu esquecimento.

— Ô se conheço! Mas me diga uma coisa: como é que você está enfiado há meses no meio do mato, encontrando só seus pais e seus filhos, esquece de mim, sua tia, quem te pegou no colo, e lembra dessa senhora? Por que ela pode te visitar e eu não?

— Ela nunca me visitou, senhora. Há décadas que não a encontrava pessoalmente. 

— E como é que dela você lembra, se não lembra de mais ninguém?

—Ué, estamos falando da Dona Alba, minha professora da 5ª série do ensino fundamental, responsável por acender em mim o amor pela língua portuguesa e pela psicologia. Se não fosse ela, hoje eu não estaria aqui! Como poderia esquecê-la?


Enzo Pellegrino

Enzo Pellegrino

Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo


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