Enzo Pellegrino

Me encontra

Coluna de Enzo Pellegrino Pedro

Me encontra

Publicado em: 28 de março de 2023 às 17:16

Um desastre no jogo do esconde-esconde. Sim, jogo, e não ousem chamar de uma mera brincadeira a peleja praticada por Vanda desde a infância, ainda que desprovida de qualquer dom e inigualável colecionadora de fracassos.

Já adulta e com mais de 30 anos nas costas, não sabe dizer quando começou seu amor pelo esconde-esconde, só sabe que desde que se entende por gente, não podia ouvir um chamado e já estava lá, pronta para jogar. Pronta para perder.

Quando estava na escola, a correria era com os colegas de classe; quando em casa, era com os amigos do bairro. Turmas diferentes, resultados iguais, e foi assim até que o tempo passou e todos os demais competidores perderam o interesse em se esconder (e em ser encontrados, principalmente).

Passou então a escapar em uma outra festa de criança para tentar vencer os pequenos, como se estivesse ali apenas como quem sabe cuidar e gosta de brincar com a criançada, como se seu espírito fosse afetuoso e não estivesse, do primeiro ao último suspiro, apenas sedenta por uma vitória. “Pirralhos malditos!”, sussurrava a si mesma ao ver cada sorriso infantil a lhe conceder mais uma derrota.

Nesses momentos de ira, de início se culpava por sentir ódio de crianças inocentes, mas logo isso passou. A verdade é que Vanda se orgulhava de não ser boa pessoa, bastava-lha manter a imagem de boa moça e estaria de bom tamanho. Cachorros, crianças, a natureza e tantas coisas exaltadas por aí… Tudo perda de tempo!, preferia destinar atenção plena a si mesma, ao dinheiro, a ser querida pelos amigos e estar à frente deles em tudo: no sucesso profissional, na aparência, na cobiça dos homens mais abastados, e sabia-se invencível em todas essas competições justamente por desconhecer limites morais no caminho até seus objetivos.

Daí vinha sua fissura pelo esconde-esconde, por não entender como podia ser perfeita em tudo e um desastre em algo teoricamente banal. Pensou nisso por 34 anos e 3 meses, até cansar de pensar e decidir acrescentar planejamento na fórmula da vitória.

Sabedora de uma competição municipal de pique-esconde (discordava do nome, mas foi obrigada a aceitá-lo), seu primeiro passo foi dar início a uma profunda pesquisa sobre possíveis esconderijos na cidade. Em seguida, estudou o regulamento e ficou encantada com a única regra constando em negrito, fonte arial, tamanho 14: “o jogo só acaba quando a última pessoa for encontrada, sem prazo limite”.

Mesmo assim, tudo se encaminhava para mais um fracasso — embora Vanda não desconfiasse disso —, porém a intervenção de um senhor, enquanto lia novamente o regulamento na fila de uma sorveteria, viria a mudar os contornos do destino. Ciente da competição que se aproximava, ele reconheceu o regulamento e forneceu à moça a mais valiosa das dicas: “pare de pensar n’onde quer se esconder e pense nos locais onde as pessoas se escondem melhor”.

Dormiu com essa ideia na cabeça e não contou seus planos nem para a família até ser dada a largada no fatídico dia, uma segunda-feira ensolarada. Dessa vez, fugindo à regra, Vanda não deu espaço ao desespero, pois já tinha estudado muito bem seu esconderijo e visitado o local algumas vezes, onde inclusive conheceu um grupo especial de pessoas e delas recebeu a garantia de que lá, assim como eles, jamais seria desmascarada.

Correria para todo lado na cidade e os competidores foram encontrados um a um, até não sobrar mais ninguém (o último concorrente de Vanda foi encontrado por uma multidão na terça-feira pela manhã, escondido no almoxarifado de uma indústria abandonada, afastada alguns quilômetros do centro da cidade). Ela ficou sabendo disso poucas horas depois, mas tinha anos de fracasso para compensar e decidiu não sair do esconderijo até ser encontrada, o que só aconteceu na manhã de domingo, quando fizeram uma pausa na busca para visitar a igreja e encontraram-na ajoelhada perante a sacristia, como se estivesse rezando.

Intrigados e antes mesmo de comunicar o final da competição aos árbitros, questionaram-na sobre a origem da ideia de se esconder numa igreja, teoricamente um prédio muito visado.

A resposta veio em meio a incontidas risadas mescladas de alegria e algo que parecia maldade: “Onde é que eu poderia me esconder melhor, senão no mais famoso dos esconderijos?”


Enzo Pellegrino

Enzo Pellegrino

Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo


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