Enzo Pellegrino

O que me falta

Coluna de Enzo Pellegrino Pedro

O que me falta

Publicado em: 17 de novembro de 2023 às 23:00

Devo ter conversado com alguém sobre uma data importante que se aproximava e o celular, sempre atento, escutou. Tratava-se do dia 09/11/2023, aniversário de 1 ano de falecimento — eis uma expressão que sempre detestei: aniversário de falecimento!, mas que reconheço a genialidade do criador, pois impossível ser mais fúnebre do que isso — do meu cachorro e grande companheiro Ronaldo, e logo após essa conversa passei a ser bombardeado nas redes sociais com vídeos sobre saudades, falta, luto e temas afins.

Um desses vídeos era de algum escritor cujo nome no momento me escapa à memória. Nos pouco mais de 30 segundos de gravação, ele falava a respeito da falta que nossos entes queridos deixam quando partem e sobre a importância de valorizarmos todos os momentos, bons ou ruins, enquanto a convivência é possível. Momentos são momentos, afinal. O conteúdo é menos importante.

Nem preciso aprofundar-me na saudade dolorida que ficou em mim quando meu cachorro embarcou para sua derradeira viagem em seu rechonchudo corpo canino. Quem, como eu, é apaixonado por animais, certamente entende esse sentimento, que ao mesmo tempo em que muito se assemelha à perda de um parente ou amigo, dela também se diferencia em razão da pureza dos bichinhos, sobreviventes de nossas tantas e tão variadas imperfeições.

Só que essa falta citada no tal vídeo e que agora cito em relação ao saudoso Ronaldinho não deveria se restringir apenas ao luto. Ao menos é o que penso, claro. Afinal de contas, sentimos falta de tudo aquilo que não temos mais, dos momentos do passado, de algo que perdemos, de alguém que nos deixou, mas também de vivências desperdiçadas.

Por que, então, precisamos perder primeiro, para só depois entendermos e respeitarmos a sensação de falta? Algumas coisas e pessoas, obviamente, só percebemos o valor quando o estrago já está feito, porém há várias outras que basta prestar um pouco atenção para perceber sua imprescindibilidade.

Se sou um amante de música, por exemplo, por que não aproveitar todas as oportunidades que tenho de ir a shows das bandas que mais gosto? Certamente chegará um dia em que surgirá uma certa dificuldade motora de frequentar grandes eventos, então é plenamente possível curtir o máximo possível enquanto está tudo mais ao alcance das mãos — no caso, dos ouvidos, embora os ingressos a preços abusivos sejam também um estorvo.

Para quem ama futebol, cada pelada é uma oportunidade abraçada enquanto as pernas aguentam o esforço e o coração aceita bem os batimentos mais acelerados, o que também vale para frequentar estádios e assistir in loco ao time do coração. Um dia isso não será mais possível ou, ao menos, não tão fácil quanto hoje.

Não precisa ser um gênio para entender que a falta pode ser combatida, mas também evitada. Nesse final de semana botei a ideia em prática e fui a um baita show, para tristeza do meu bolso e alegria do meu coração. Enquanto não pararmos para pensar nessas coisas — algo simples, não é difícil de identificar as coisas que mais gostamos —, seguiremos desperdiçando momentos irrecuperáveis e criando, hoje, a falta que sentiremos amanhã.

Vale para coisas, pessoas e momentos. Ah, e também para os cães. Agradeço a Deus, todos os dias, por ter entendido isso muito tempo antes do meu cachorro partir. Sinto muito sua falta, claro, só que ela dói um bocadinho menos.


Enzo Pellegrino

Enzo Pellegrino

Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo


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