Franco Catalano

As raízes profundas do colonialismo

Coluna de Franco Catalano

As raízes profundas do colonialismo

Publicado em: 28 de fevereiro de 2023 às 17:24

Diz-se que o Brasil foi descoberto em 1500. Diz-se que os portugueses trouxeram a civilização para cá. Diz-se que os selvagens que aqui habitavam eram canibais e ignorantes. Mas não se diz que a colonização europeia dizimou culturas, impôs costumes e usurpou terras destes povos originários. Não se diz que a suposta superioridade branca condenou não apenas diversas tribos indígenas, mas também retirou negros de suas terras natais, trazendo-os aos milhões em navios para escravizá-los por aqui.

Não se diz que essa herança maldita ainda tem reflexos terríveis para os descendentes destes índios e destes negros. É muito fácil para os descendentes dos europeus colonizadores acreditar - ou dizer acreditar - que a dívida histórica com estes povos já foi paga. Não foi. Séculos de uma exploração desumana não se pagam com algumas cotas em universidades e alguns anos de programas sociais.

Já escrevi nesta coluna, em outras oportunidades, quão absurda é a romantização do período colonial escravocrata brasileiro. Me lembro de um tecido forrando os móveis dos meus tios nos anos 1990 no qual a estampa era feita de escravizados trabalhando nas lavouras de café de seus senhores. Hoje isso é inaceitável. Também já escrevi sobre um restaurante tradicional de Londrina (chamado, veja só, O Casarão) onde as paredes eram decoradas com pinturas de negros servis, ao mesmo tempo em que, 120 anos depois da abolição da escravatura, apenas negros trabalhavam nas funções pior remuneradas deste mesmo local. Depois de muitas denúncias, exposição na mídia e críticas, as pinturas foram finalmente removidas de lá. Alguns dias atrás, em outro restaurante tradicional da cidade, o qual nunca havia visitado, para minha surpresa e desgosto, mais pinturas escravagistas.

Escrevo este artigo da ilha de Florianópolis, um dos pontos mais antigos de desembarque dos portugueses (açorianos) no Brasil colônia. As marcas da ode à branquitude são visíveis até hoje, 500 anos depois. Outro restaurante, outro elogio ao período escravagista. Desta vez em forma de texto, ao final do belo cardápio com capa de couro, onde o chef contava um pouco da história da vila em que se encontra e, nas suas palavras, “das grandes contribuições dos senhores de engenho”. Não menciona que o casarão que ocupa hoje com sua cozinha e a igreja da vila foram construídos com mão de obra africana. Não menciona as condições desumanas deste regime. Não menciona que de século em século este casarão e a igreja continuaram nas mãos de brancos. Enquanto a história for escrita sob um viés europeu, esvaído de culpa, a dívida histórica que toda a sociedade brasileira tem não será sanada.


Franco Catalano

Franco Catalano

Arquiteto, é santa-cruzense e estudou História da Arte em Madrid


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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