O poder sobre uma ideia e a consciência crítica

O fato de um sujeito de “podcast” defender a existência de um Partido Nazista oficial no Brasil, seguido de um igualmente nojento que faz a saudação nazista em um programa da Jovem Pan, coloca a esfera pública em alvoroço. Muita gente corre se posicionar contra, às vezes com justificada ira. Um número maior ainda de pessoas não sabe o que está acontecendo e só lembra de marca de bicicleta e ouve a lista das 7 melhores na rádio.

Não sei se ainda se utiliza a expressão “surfar na web”, para se referir a pessoas que acompanham assiduamente a Internet. A realidade é que a maioria de nós apenas boia no mar de informações. Ficamos ao sabor das correntes, sem aprofundar em muitas coisas. O debate em torno do racismo de algumas afirmações e gestos parece distante.

Passamos boa parte de nosso tempo absorvendo apenas uma palavra de ordem, um vídeo, uma foto, uma menção. Em resumo, um signo ideológico (signo aqui é sinal, indício, símbolo): algo que condensa um conjunto de significados, vindos de uma longa história de sua formação, em que lutas sociais foram travadas e agora nele se encontram sintetizadas.

A maioria de nós não mergulha no mar de informações, por razões como a falta de hábito, as limitações ideológicas do ensino e a vida de trabalho superexplorado. Logo, ficamos restritos a decodificar a realidade a partir desses signos ideológicos simplistas, dessa ordem que citei — um gesto, uma imagem, um chavão etc.

A saudação nazista e a suástica nos chocam, pois são amplamente expostos como representantes do mal em filmes, séries e jogos. De fato, seu uso como algo a ser apreciado, ou como indício de adesão à ideologia nazista, deve ser rechaçado sem nenhum vacilo. Esses pequenos atos públicos de simpatia, exaltação, ou de meramente se especular a possibilidade de aceitação em nosso meio, abrem precedentes perigosos.

A presença do signo ideológico não apenas traz de volta toda a história que carrega, como também produz efeitos de discurso e de práticas. Ao se apresentar algo ligado ao nazismo como normal, dá-se legitimidade a essa ideologia e se abre a possibilidade de que os ideais aí presentes venham a ser novamente aceitos. A exposição cotidiana a um signo ideológico, de maneira positiva, ou ao menos como possivelmente aceitável, vai produzindo o efeito de ele fazer parte do nosso pensamento e da nossa visão de mundo.

Em meio a essas questões, é preciso lembrarmos que comunicadores sociais têm enorme responsabilidade quanto ao que dizem. Aquilo que trazem de maneira ligeira, como se fosse mera brincadeira ou papo de boteco, será recebido sem muito filtro pelas pessoas que consomem produtos da comunicação em massa.

Outro passo é pensarmos no acesso a informações que produzam a reflexão. O que parece impossível à primeira vista, pois teríamos uma população que considera a informação aprofundada algo “chato”, ou “incompreensível”. Se assim é, deve-se aos fatores que citei há pouco, como ensino e tempo tomado pelo trabalho. Além disso, é preciso investimento em veículos que abram as portas para a consciência crítica.

Os produtos de entretenimento, incluindo aqueles que passam aparência de serem informativos, como o dito “podcast”, são fortemente patrocinados. Inclusive recebem poderosos recursos de quem tem interesse em disseminar alguma informação e participar da luta que constitui os signos ideológicos, manobrando nossa compreensão da realidade.

Não nos deixemos enganar pela alegação de neutralidade ou isenção, como se fosse possível falar sobre um aspecto da realidade fora dessa mesma realidade, em uma situação de vácuo político e social. Quem fala, faz isso de algum ponto da história, de um posicionamento da vida social, respondendo a interesses e produzindo efeitos. Renegar esse aspecto é querer colocar sua palavra como suposta verdade absoluta.