Luiz Bosco

Prevenção: melhor ferramenta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes

Coluna de Luiz Bosco

Prevenção: melhor ferramenta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes

Publicado em: 21 de maio de 2022 às 05:25

O dia 18 de maio é marcado por duas lutas muito importantes: a luta antimanicomial, pelo direito a cuidados dignos e humanizados em saúde mental; e a luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. O primeiro tema sempre abordo, há anos. Quanto ao segundo, sobre o qual escreverei agora, já tive a oportunidade de dar palestras a respeito, tanto no Oeste Paulista, quanto no Norte Pioneiro do Paraná. Um ponto importantíssimo que observei nessas experiências é que o fenômeno do abuso, em suas diversas formas, está presente em qualquer cidade, não importa se é de pequeno ou grande porte. Divido essa constatação porque percebo que a maioria de nós consideramos que esse mal não aconteça ao nosso redor, como se estivesse sempre distante, ocorrendo entre pessoas que não conhecemos. Infelizmente, é uma preocupação para qualquer família, escola e comunidade.

A necessidade de ação contra essa forma de violência é óbvia, mas esbarra no conservadorismo. Quando sua ocorrência é divulgada de alguma forma, rapidamente se erguem vozes pedindo punição “exemplar”, queixando-se de suposta lentidão ou indiferença da Justiça. Acredita-se que a simples existência de medidas duras seja suficiente para acabar com um problema que é complexo e tem raízes profundas em nossa sociedade. O melhor caminho é não esperar que o pior ocorra. Precisamos prevenir – e é aí que as maiores dificuldades se revelam. A prevenção ao abuso sexual demanda falar de sexualidade para crianças e adolescentes. A possibilidade disso enfurece muitas famílias, o que amedronta a governantes e escolas. Alega-se que abordar o tema seja “incentivo à promiscuidade” e se coloca como única opção o silêncio e o incentivo à abstinência sexual.

Eu sou obrigado a alertar: o que se cala aqui, grita acolá.

Não basta colocar a sexualidade como atividade pecaminosa, esperando que isso seja suficiente, pois o abuso envolve o desconhecimento da vítima a respeito do próprio corpo e dos limites que pode impor ao outro. Com linguagem adequada para cada faixa etária, a criança precisa ser ensinada sobre o que ela não deve permitir que façam com ela. É preciso dizer que toques em regiões íntimas, bem como filmar ou fotografar seu corpo, não deve ser permitido.

Acrescente-se que a criança deve ser instruída a não autorizar ninguém a ter essas atitudes para com ela. A maior parte dos abusos acontece em casa, sendo o abusador geralmente homem e uma pessoa próxima à criança, como pai, padrasto, padrinho, irmão, líder religioso, entre outros.

Silenciar sobre essa realidade tem como efeito fazer com que ela se perpetue. Quando a criança ou alguém da família consegue ter forças para falar sobre a violência que sofre, não é raro que tentem dissuadi-la, afirmando que está apenas imaginando, ou que deve apenas esquecer o ocorrido, para não “manchar a imagem” da família e evitar punições para algum de seus membros.

Diante disso, a prevenção na escola é indispensável, pois é o ambiente em que se pode identificar um possível abuso e não cair na tentativa de alguma família em meramente “abafar” o caso. Se a criança não tiver acesso a escola, como defensores do ensino doméstico (homeschooling) almejam, ela ficará à mercê de uma vida sob a violência.

O moralismo, que tem caracterizado as políticas do governo Bolsonaro a respeito do abuso sexual contra crianças e adolescentes, de pouco servem, pois apontam a solução como calcada apenas em valores individuais, como o respeito e a “pureza”, sem considerar suas dimensões sociais concretas. Essa postura se presta muito mais a silenciar vítimas do que realmente prevenir que a violência ocorra.

A prevenção exige serenidade diante do alarido conservador; coragem para enfrentar tabus e falar do tema; e preparo, tanto teórico, quanto técnico e, principalmente, humano, para que se respeite o desenvolvimento de cada criança e adolescente, sem inculcar medo em relação à sexualidade, nem correr o risco de apresentar informações que ainda estão fora da compreensão de uma pessoa em desenvolvimento.


Luiz Bosco

Luiz Bosco

Psicólogo (CRP 06/96910), Doutor em Psicologia pela Unesp. Escreve quinzenalmente. Contato: (14) 99850-0915


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