Publicado em: 22 de outubro de 2022 às 09:09
Durante a ditadura militar do Brasil, entre 1964 e 1985, as instituições democráticas sofreram vários ataques, algumas delas chegando a ser suspensas, como as eleições diretas. Os militares no poder acabaram com o voto direto para alguns cargos, como o de governador. Na época, cunhou-se a expressão “governadores biônicos” para aqueles que foram alçados ao cargo sem votos e tinham sua autonomia política limitada.
O termo “biônico” remete a um conceito popular em ficção científica, de se enxertar elementos eletrônicos ou mecânicos em seres humanos, para aprimorar suas capacidades. No entanto, um efeito colateral bastante explorado na literatura é o de poder submeter as pessoas ao arbítrio de quem tenha o comando dessas partes cibernéticas.
Os governadores biônicos eram simples porta-vozes da vontade dos presidentes militares. Havia, também, senadores biônicos, esses criados para fazer frente à crescente popularidade do MDB, partido de oposição à ditadura, que estava conseguindo eleger número crescente de parlamentares na década de 1970. Os senadores robotizados pelo regime deveriam pautar votações conforme os interesses da ditadura e barrar aquilo que pudesse ir contra.
A democracia brasileira nunca se recuperou plenamente do período e está à mercê de distorções e manipulações que garantem a defesa dos interesses de grupos econômicos de vulto ou de quem tenha seu próprio projeto de poder.
Vimos neste ano se elegerem senadores cuja trajetória política é pífia, surgida dentro dos porões do fundamentalismo. Agirão como tropa de choque para deter pautas que não sejam conforme os interesses bolsonaristas, independentemente do resultado da eleição para presidente. Pois ainda que o bolsonarismo saia derrotado na eleição para o Executivo, seu projeto de poder continua em pé.
Um candidato a governador que nunca foi do Estado de São Paulo e que meramente se preocupou em transferir seu domicílio eleitoral, venceu o primeiro turno das eleições e se mantém à frente nas pesquisas. Completo desconhecido e de feitos duvidáveis junto ao governo Bolsonaro (alguém sabe honestamente citar algo que ele tenha feito sem recorrer à Internet?), possivelmente será um robô a cumprir ordens do bolsonarismo e das classes sociais que estão a se beneficiar com esse momento calamitoso do Brasil.
O Estado se viu refém do neoliberalismo do PSDB por três décadas. Este grande ator político desde o início dos anos 1990, começou a se desintegrar com o protagonismo no golpe jurídico-parlamentar contra Dilma Roussef. A política ama traições, mas despreza os traidores... A esquerda sempre enxergou aquilo que os tucanos são, enquanto a direita se afastou depois que eles fizeram seu papel de boi de piranha. O partido se desmantelou, tendo uma sobrevida com a eleição de Dória para governador em São Paulo, o que aconteceu muito mais pelo slogan “Bolsodória” do que por qualquer outra coisa. A partir do momento em que o empresário paulista se descolou do atual presidente da República, passou a ser visto como inimigo. O PSDB afundava, sendo inacreditavelmente rotulado como “partido de esquerda”. Com a derrota de Rodrigo Garcia, o partido que sempre foi gigante se apequena definitivamente.
É nesse vazio deixado pelo tucanato em São Paulo que Bolsonaro tenta emplacar seu governador biônico. Se o termo pode incomodar por certa carga de anacronismo, podemos dizer que se trataria de um governador à distância. A tecnologia permite trabalhar, aprender e se divertir de longe; por que não seria possível um político do Rio de Janeiro governar o Estado vizinho? Dessa forma, o bolsonarismo, mesmo que perca a Presidência, mantém as garras sobre o Estado mais poderoso.
Pode-se afirmar que o Partido dos Trabalhadores também faça o mesmo, ao apresentar um candidato que, em 2018, foi colocado às pressas no lugar de Lula, que fora preso (injustamente, como se comprovou pela aliança de Sérgio Moro com Bolsonaro). Entretanto, o candidado de centro-esquerda ao governo do Estado já foi prefeito da capital e foi mais votado por lá. Dentro do que estamos abordando aqui, não é um aventureiro que veio a mando de sabe-se lá quais interesses, mas um estadista com experiência vivida aqui.
O projeto bolsonarista é notadamente autoritário e ataca a democracia em inúmeras frentes. Aqui no nosso Estado estamos diante de mais um deles. O voto é a arma que temos no momento para impedir isso. Depois, a mobilização social e a educação contra-ideológica deverão ser ações permanentes para que não haja uma escalada dos horrores que já vivemos até hoje.
Psicólogo (CRP 06/96910), Doutor em Psicologia pela Unesp. Escreve quinzenalmente. Contato: (14) 99850-0915
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