Pascoalino S. Azords

A Copa que perdemos 2

Coluna de Pascoalino S. Azords

A Copa que perdemos 2

Publicado em: 10 de dezembro de 2022 às 12:35
Atualizado em: 11 de dezembro de 2022 às 23:23

Eu não faço a mínima idéia da carta que o Brasil tinha na manga quando venceu a disputa para sediar a Copa do Mundo de 2014. Tão acirrada quanto a batalha campal é o jogo de interesses disputado entre cartolas e chefes de estado, mega-empresários, sindicatos, flanelinhas e pipoqueiros. Recentemente, o Japão perdeu para o Qatar a Copa de 2022. Eu não faço idéia do que a Fifa ouviu do Qatar, mas a proposta do Japão de projeção holográfica dos jogos para o mundo inteiro me parecia imbatível. Ao invés de assistir às partidas em telões que não param de crescer, em 2022 as pessoas se dirigiriam ao estádio da sua cidade onde poderiam ver, ao vivo, o jogo que naquele instante estivesse sendo disputado no outro lado do mundo. Bastaria se acomodar na arquibancada e olhar fixamente para o campo vazio. Ali, um palmo acima do gramado, a bola rolaria entre destros e canhoteiros. E poderíamos ver os gols perdidos e aqueles que os jogadores não conseguissem perder, os impecáveis ternos dos técnicos no banco de reservas... Dependendo da evolução da holografia na próxima década, talvez o torcedor pudesse até xingar a mãe do juiz ou lançar bananas no gramado.

Parece fusão da Sony com a Seicho-No-Iê – e talvez fosse isso mesmo a proposta japonesa. A imagem verdadeira seria filmada por 200 câmeras de alta definição espalhadas pelos estádios do Japão. A restituição da imagem holográfica (em relevo) dependeria apenas da instalação de projetores a laser onde se quisesse ver o jogo. Assim, garantiam os japoneses, as partidas da Copa de 2022 poderiam ser vistas em qualquer canto do planeta: no campo da santa-cruzense, em Canitar ou Santo Antonio do Aracanguá. Ninguém precisaria tirar passaporte nem comprar dólares. O torcedor poderia ir a pé ao estádio da sua cidade para ver em campo Brasil X Argentina, Itália X Alemanha. Ir de chinelo mesmo, e camiseta regata, com a vuvuzela e uma caixa de fogos Caramuru debaixo do braço, e um trocado no bolso da bermuda para a cerveja. Pois os árabes do Qatar nos privaram dessa Copa!

Não é a mesma coisa, mas, há quase 50 anos, eu tive uma experiência parecida. A televisão ainda não pegava na minha cidade quando nas férias de julho de 1966 a seleção brasileira voou em missão histórica para a Inglaterra dos Beatles. Vínhamos do primeiro título na Suécia, em 1958; e do bi-campeonato, no Chile, em 1962. Com Pelé, Garrincha, Tostão e Gerson, todos ainda com vinte e poucos anos de idade, a conquista do tri-campeonato parecia um simples problema de fuso horário: bastava pegar o avião, andar para trás no relógio, erguer a taça e voltar pra casa – tudo devidamente registrado pelos fotógrafos da revista O Cruzeiro. Pois a poucos dias do início da Copa de 1966, sobre a marquise do estacionamento rodoviário, começaram a erguer um painel quase da largura da laje. Eu engraxava sapatos entre o Jeca Bar e a portinha do Luiz fumeiro, e acompanhei toda aquela mão de obra. A rodoviária era uma espécie de marco zero das cidades. Hoje, as autoridades do trânsito escorraçaram os terminais rodoviários para longe do centro congestionado. A nossa velha rodoviária cheirava a urina, mas era vazada pela luz do sol. Não tinha esse ar de purgatório dos terminais de hoje, onde a gente fica esperando que nos levem para longe.      

Num dia de semana, logo depois do almoço, eu vi o Brasil bater a Bulgária por 2X0, ali da soleira da farmácia do Moraes, enquanto entravam e saiam os ônibus empoeirados levando no teto os passageiros e a bagagem excedente. Era uma gente feia e honrada, com camisa de manga comprida, chapéu e sempre crianças no pé. Depois, perdemos de 3 a 1 para a Hungria, em plena luz do dia! Daí, a terceira e decisiva partida levou ainda mais gente para a frente da rodoviária. O rádio dizia que Pelé estava contundido, que o técnico do Brasil dormia no banco durante o jogo, mas quando Fiori Gigliotti disse que as cortinas do espetáculo estavam se abrindo em Liverpool, a minha cidade parou para ver Brasil X Portugal.

O painel sobre a rodoviária era um retângulo que tentava imitar um campo de futebol, com a linha divisória e o círculo central, as grandes e as pequenas áreas, as linhas de fundo e as laterais. Milhares de lâmpadas brancas cobriam o que seria o gramado e uma lâmpada maior, e vermelha, aguardava dentro da caixinha que correspondia ao gol. Guiadas pela locução do serviço de alto-falante, as lâmpadas iam se acendendo a partir do pontapé inicial, na posição aonde a bola devia estar naquele instante lá na Inglaterra. E também ia para o corner, para o tiro de meta, para a marca do pênalti... Quando se marcava um gol, a lâmpada vermelha piscava dentro da caçapa, e todo mundo gritava, se abraçava, e se sentia no direito de soltar rojões. Só o falecido Cido da farmácia não gostou do painel. “É que nem ver o jogo no rádio”, disse com o incisivo de ouro no meio do sorriso triste daqueles que nascem para ver algumas poucas copas.  

Os jogos eram vistos assim. A carnificina com que os discípulos de Eusébio caçaram e abateram os brasileiros naquele mundial levou a Fifa a criar, a partir da Copa de 1970, os cartões amarelo e vermelho no bolso do juiz – que a gente via em branco e preto na televisão do vizinho, trepado no muro – quando não chovia.

 

* Publicado originariamente em 15/05/2011


Pascoalino S. Azords

Pascoalino S. Azords

Cronista, mantém coluna no DEBATE desde 1977


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