A máquina também mente como nós

Há uns 10 anos, Luis Felipe me dizia maravilhas sobre o Facebook; mas eu preferi não arriscar. Resistir àquela novidade não exigiu de mim nenhum esforço; afinal, sou mesmo despreparado para esse mundo moderno. Mas, um dia, como uma moça de família do século passado, eu acabei cedendo.

Se o assunto é fornicar tendo filhos como consequência, o campeão imbatível nesse esporte deve ter sido o sultão marroquino Ismail Sharif que há 300 anos tornou-se pai de 888 de meninos homens. Quando ele dava uma fraquejada, ou uma das suas 500 esposas paria menina mulher, a criança era assassinada para não estragar a linha de sucessão do sultão.

Hoje, graças à Internet, até um eunuco pode suplantar Ismail Sharif e formar uma família com 1 milhão de amigos. A promiscuidade eletrônica também dá frutos – mais do que chuchu na cerca. Vai vendo: as bases do relacionamento via web repetem os mesmos vícios que viemos acumulando nesses anos todos, desde quando descemos das árvores para habitar o Congo africano.

Dia desses, o Facebook me enviou um recado: “Parece que você deixou de seguir um amigo recentemente. Não se preocupe, não contaremos a ele que você deixou de segui-lo”.

Mais do que avisado, fiquei sinceramente impressionado pelo fato do sistema mentir exatamente como nós – até no uso da vírgula e dos pronomes! O diagnóstico (você deixou de seguir um amigo recentemente) e o remédio (Não se preocupe, não contaremos a ele) não me foram dados por um psicanalista ou uma benzedeira, mas por um sistema que se oferece para mentir em meu lugar.

Mas, até aí, as peças ainda estavam todas em pé no tabuleiro. Afinal, que diferença faz uma mentira a mais ou a menos nos dias de hoje? O que me deixou mesmo esnucado foi aquele tranquilizante “Não se preocupe”. Eu nunca estive pessoalmente com o Facebook. Nunca dividimos uma pizza, uma cervejinha que fosse. Como entender que uma coisa tão distante esteja preocupada comigo?

Vacinado, eu desconfio desse desvelo. Você acredita? Aquele americano que se casou com uma boneca inflável deve acreditar.