Pascoalino S. Azords

Ao vencedor, as batatas

Pois eu exerci e perdi os oito votos a que tive direito nas eleições desse ano

Ao vencedor, as batatas

Publicado em: 24 de setembro de 2022 às 02:13

Se existisse a Telesena Eleitoral, quantos pontos você teria feito esse ano? Numa primeira peneirada, também chamada de primeiro turno, tinha um jogo para deputado federal, outro para deputado estadual, jogo duplo para senador, jogo para governador, e para presidente da república. No segundo turno, você ainda tinha que acertar de novo na escolha para governador e presidente. Ao todo, oito jogos. Para ganhar, tinha que acertar os oito, na mosca. Com a ajuda das pesquisas, é certo que o eleitor apostador tinha algumas barbadas, alguns franco-favoritos. De forma que o grande prêmio dessa hipotética Telesena haveria de ser dividido entre muitos felizes acertadores, e não entre poucos, como ainda hoje se divide esse imenso Brasil.

Não é uma tarefa fácil, mas o que são esses oito desafios lotéricos diante das trinta e duas revoluções armadas que o Coronel Aureliano Buendía promoveu (e perdeu) só porque, a princípio, o governo havia determinado que todas as casas do país seriam pintadas de azul, enquanto ele preferia que a sua continuasse branca como uma pomba? Na sequência, o coronel “escapou de quatorze atentados, setenta e três emboscadas, um pelotão de fuzilamento e ao envenenamento por uma dose de estricnina no café que daria para matar um cavalo”. Coroando tantas derrotas, o Coronel Aureliano Buendía recusou a Ordem do Mérito que lhe outorgou o presidente da república e dispensou a pensão vitalícia que lhe ofereceram depois da guerra. Isso se passa em Cem Anos de Solidão, o livro mágico de Gabriel Garcia Márquez. Mas tente imaginar o que aconteceria se a certa altura do romance alguém viesse falar em voto útil a esse coronel?

Pois eu exerci e perdi os oito votos a que tive direito nas eleições desse ano. Até tive uma segunda chance, um segundo turno, para ficar melhor na foto, ou dar uma satisfação ao paxxxtor, mas preferi insistir que a minha casa não fosse pichada de azul e continuasse branca como uma pomba.

Mas eu não perdi sozinho. Zeinha Carrilho, uma senhora de 90 anos, saiu de sua casa em Acari, no subúrbio do Rio, para ir votar em Laranjeiras. Meu filho caçula rodou 800 quilômetros para votar em Ourinhos. Nenhum de nós “ganhou” o voto para governador ou para presidente da república. Mas nos sentimos muito melhor na companhia do coronel Aureliano Buendia e do Darcy Ribeiro que, num dia de ressaca eleitoral ou acerto de contas, escreveu: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Entre tantas coisas, o “perdedor” Darcy Ribeiro fundou o Serviço de Proteção ao Índio (depois Funai), a Universidade de Brasília, a Universidade Fluminense e os Cieps (escola pública em período integral) do Rio de Janeiro.

Aos vencedores, boa sorte, e um saco de batatas.

 

 

  


Pascoalino S. Azords

Pascoalino S. Azords

Cronista, mantém coluna no DEBATE desde 1977


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