Pascoalino S. Azords

Dona Tereza

Coluna de Pascoalino S. Azords

Dona Tereza

Publicado em: 20 de agosto de 2022 às 05:52
Atualizado em: 20 de agosto de 2022 às 06:01

(para Victor Khoury, onde ele estiver)

 

Maria Alice é a minha primeira lembrança. Fui vê-la na maternidade. Na verdade, eu não me recordo dela, recém-nascida, mas da minha mãe numa cama alta, onde me colocaram sentado a fim de ouvir as suas recomendações para aqueles dias em que estivesse ausente. Assim, não me recordo do assunto principal da minha lembrança mais remota. Lembro-me apenas do quarto hospitalar e de algumas palavras. E se não guardo o rostinho de minha irmã na maternidade (talvez eu nem a tenha visto no berçário), em compensação, aquela visita data a minha mais antiga recordação. Nem precisa ser indiscreto revelando quantos anos Maria Alice tem hoje, basta subtrair 2 da minha idade.

O parto dessa minha irmã desandou para uma trombose profunda que o doutor Victor Khoury diagnosticou como grave, com risco de amputação da perna esquerda. E mandou internar a minha mãe. Sem dinheiro para tanto, meu pai argumentou que não era possível. O que faria com o filho de 2 anos que ele não tinha com quem deixar? Então, o médico fez uma série de prescrições e recomendações, terminando por receitar dois tijolos maciços que deveriam ser colocados sob os pés da cama do casal. Alguns dias depois, sem avisar, o doutor Khoury apareceu lá em casa para conferir aqueles dois tijolos ao pé da cama ou a perna da minha mãe.

Quando, quase 20 anos depois, Euryclides Zerbini realizou o primeiro transplante de coração da América Latina, meu pai identificou o nome do doutor Victor Khoury na equipe responsável por aquela efeméride. Era ele o cirurgião vascular do quinto transplante de coração feito no mundo!

Sempre fomos muito agradecidos ao médico que salvou minha mãe de uma amputação. Afinal, ela tinha 24 anos de idade e nem podia imaginar o que ainda viria pela frente! Meu pai, por sua vez, jamais podia supor que ela esteve sob os cuidados de um médico tão ilustre, o mais concorrido do México à Patagônia, como os anos viriam mostrar.  

Quando nos mudamos para o interior, naquele cenário encardido, sem água encanada, sem rede de esgotos, sem asfalto ou energia elétrica, minha mãe chamava a atenção pela beleza e a pele clara de quem vinha da capital. Contudo, ninguém a apontava com o dedo quando ela passava, o que teria sido inevitável se ela chegasse à Rua Elizabete sem uma das pernas.

Era nisso que eu pensava vendo Maria Alice, Tereza Cristina e Ana Cláudia chorando abraçadas. Pensava no quanto a vida foi generosa para com a nossa mãe. Não lhe faltou a perna e nenhum dos seis filhos. Não lhe faltou o ombro, o respeito, ou o amor incondicional de meu pai. O que ela perdeu, perdeu a tempo. Para não dizer que nada lhe faltou, meu irmão não conseguiu vir dos Estados Unidos para vê-la, serena, com a camisa do Corinthians sob o manto de rosas champanhe com que a sepultamos há menos de 15 dias.

 

* Publicada em 23/09/2018 e republicada em 21/08/2022


Pascoalino S. Azords

Pascoalino S. Azords

Cronista, mantém coluna no DEBATE desde 1977


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