Publicado em: 22 de outubro de 2022 às 08:33
Para o poeta Cícero de Pais
A estação Cardeal Arco Verde talvez se pareça com a caverna do Batman até para quem não conhece o morcego. Pode lembrar também o abrigo subterrâneo que Charlton Heston encontrou no Planeta dos Macacos 50 anos atrás. Essa estação primeira do metrô de Copacabana é para muita gente a mais curiosa do Rio. Para mim, é a mais familiar. É uma das poucas em que não me perco na escolha das saídas e entradas, das tantas escadas e esteiras rolantes, como se fosse um Chaplin brincando com a modernidade para depois atravessar movimentadas avenidas na superfície.
O usuário, a pessoa que entra ou sai daquele buraco cavado na praça que leva o nome do primeiro cardeal da cidade do Rio de Janeiro, precisa desviar dos livros que dividem espaço com os moradores de rua estendidos na calçada, tudo por 1 real (os livros), desviar dos restos de comida em marmitex fétidas que os cães preferem deixar para as ratazanas de mais tarde. Pois nesse espaço denominadamente católico estão plantados dois marcos que testemunharão o dia em que ninguém mais vai querer andar de metrô: um enorme chanunkiá e um não menos imponente quartzo rosa de muitas toneladas.
(O candelabro de nove velas é um dos símbolos maiores do judaísmo e o quartzo rosa é o cristal do amor, como bem sabem os judeus e talvez até os cristãos de rua que habitam aquela praça com seus cães fiéis).
Há dois anos eu fui um usuário diário da Estação Cardeal Arco Verde. Entrava e saía pontualmente para fazer não sei o que no centro velho e depois voltar por aquele mesmo buraco. Um dia encontrei na porta da estação um homem que não mendigava, apenas vendia uns livros baratos empilhados num caixote. “O livro é ruim, mas fui eu que escrevi”, o homem dizia para os passantes. Eu não tinha pressa de chegar ao apartamento do meu filho caçula, perto dali, numa travessa da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Então, reparei na tristeza pré-histórica do livreiro, e ele me estendeu uma brochura sem interromper o pregão: “O livro é ruim, mas fui eu que escrevi”.
... você já viu quando o olho de um jacaré vidra virado pro sol? Parece a pedra olho de tigre. O jacaré faz assim sempre que vai para o passado, para se encontrar com a sua primeira professora, com a sua primeira namorada, com seus filhos ainda pequenos. É por isso que o olho do jacaré fica assim bonito como um brinco ou um anel.
Eu só me lembro dessas três ou quatro linhas do que li ali diante da pessoa que tinha escrito aquela brochura. Faz dois anos. O livreiro não dependia da minha aprovação, ou da minha aquisição que não pagava um lanche na rua. O livreiro passou por aquela provação à minha frente e hoje deve estar em dia com as noites de Copacabana. Eu é que não me perdoo por não ter comprado a brochura que ele me ofereceu em silêncio, enquanto não parava de falar em outra língua para as pessoas que passavam: “Compra. O livro é ruim, mas fui eu que escrevi”.
* Publicada em 23/12/2018 e republicada em 23/10/2022
Cronista, mantém coluna no DEBATE desde 1977
Previsão do tempo para: Quinta
Durante a primeira metade do dia Períodos nublados com aguaceiros e tempestades com tendência na segunda metade do dia para Períodos nublados com chuva fraca
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