Pascoalino S. Azords

Habemos hino

Coluna de Pascoalino S. Azords

Habemos hino

Publicado em: 02 de janeiro de 2023 às 16:21

* Crônica publicada em 27 de janeiro de 2002, quando Mário Nelli venceu o concurso para escolha do Hino do Município

 

Inferno astral, segundo as convenções da astrologia,é um momento passageiro que precede o natalício. Decorre do alinhamento dos astros no sistema solar, sendo o seu efeito prático e maléfico só notado aqui na Terra. Só na Terra e entre seres humanos. Não se tem notícia de inferno astral na vida dos ETs ou de outros bichos do nosso planeta. O que ocorre com os peixes na Semana Santa e com os perus por ocasião do Natal não tem sustentação zodiacal. Inferno mesmo — astral ou não — só dá certo com gente.

No céu de 20 de janeiro, dia do aniversário de Santa Cruz do Rio Pardo, a Lua estava com a bola murcha em Áries, não tendo ainda atingido a fase quarto crescente. Enquanto Vênus e Marte não reatavam uma velha amizade, o Sol se preparava para ingressar no signo de Aquário, numa conjunção com Netuno e em trígono com Saturno. Tudo isso para que tivesse início uma nova era para os nascidos no dia de São Sebastião.

Santa Cruz bem que estava precisando. No auge da sua fase infernal chegou a pendurar garrafas vazias nos principais pontos da cidade! É de se temer que tamanho desespero pudesse levar a cidade a se jogar da ponte em seguida.

No domingo de manhã o horóscopo da aniversariante ilustre mais parecia uma charada. Capricórnio: o conhecimento não vem dos pensamentos de uma pessoa só, são muitas as mentes que pensam sobre um mesmo assunto, criando um circuito onde as soluções aparecem. Dentre as pessoas há algumas mais sensíveis que outras. Passei o domingo tentando, sem sucesso, aplicar aquelas palavras proféticas a tudo o que me cercava. Como combinar queima de fogos com pessoas sensíveis ou bolo de aniversário com uma pessoa só? E a corrida de boia, onde podia se encaixar naquela história?

As coisas só começaram a clarear à noitinha, quando a patroa me chamou para ir assistir à escolha do hino da cidade. Como outras cem pessoas tiveram a mesma ideia, o salão paroquial quase ficou pequeno para a apresentação das oito músicas compostas em homenagem a Santa Cruz. Tanto o número de concorrentes como aquele público presente era um prenúncio de que o horóscopo começava a fazer sentido: São muitas as mentes que pensam sobre um mesmo assunto. O assunto era o hino, deduzi.

Os cinco jurados concluíram que o músico Mário Nelli foi quem melhor pensou sobre o assunto. O horóscopo também tinha previsto: Dentre essas pessoas há algumas mais sensíveis que outras. O público aplaudiu a escolha e, como eu, deve ter voltado para casa cantarolando o estribilho do hino vencedor: “Santa Cruz abra os braços, me abraça...”.

Depois de tomar um copo d’água, já me preparando para dormir, o espetáculo do salão paroquial começou a fazer efeito. O primeiro sintoma foi uma pontada de inveja boa aqui nos quartos. Por que não? Se existe tumor benigno e colesterol bom, por que não pode haver uma inveja sadia? Quem não queria estar na pele do Mário Nelli? A sua vitória naquela noite não se dera num festival de música qualquer, fadado ao merecido esquecimento. Ainda que o prêmio em dinheiro fosse um tanto simbólico, a conquista de Mário Nelli não tem preço. Ao assinar a composição do Hino de Santa Cruz ele escreveu, definitivamente, o seu nome na história da cidade.

Agora é oficial: Mário Nelli é uma personalidade histórica — independentemente da boa ou da má vontade dos futuros governantes. Um dia, alguns santa-cruzenses dirão, diante de ouvidos incrédulos, que chegaram a conhecer o Mário, que conversaram com ele... Uns poucos privilegiados dirão que um avô distante assistiu à escolha do hino da cidade numa noite de verão no início do século. Nem todos estarão dizendo a verdade, mas isso já não fará a menor diferença.

Depois de invejar enormemente o autor do hino santa-cruzense (ao misturar abra com braço, Mário construiu o verso suplicante e definitivo terminado em me abraça), minha inveja sadia estendeu-se aos demais compositores. Estudei na Escola das Facas, de João Cabral, com quem aprendi a admirar o estranho. Todo cabralino que se preze desdenha as coisas que se parecem com as suas para admirar o que seria incapaz de fazer. O cabralino deve admirar o diferente, mesmo não concordando com ele. Por exemplo: posso admirar uma série de músicas compostas em homenagem a uma cidade sem, necessariamente, concordar com o que elas dizem.

Ao contrário do cronista ranheta, a pessoa que escreve um hino é de uma generosidade, digamos, monstruosa. Ele não enxerga a sua cidade com refratários óculos escuros, enxerga com os olhos lavados na mina. Mário Nelli à parte (eu não seria louco de aqui comentar a obra de uma personalidade histórica viva), vejam como é que os nossos compositores derrotados vêm Santa Cruz: “No sul paulista, no coração de nosso Estado (...) Verdes pastos são heranças onde cultivamos tudo que nasce (...) Canaviais com suas folhas verdes simbolizando a esperança e a paz (...) Com tuas árvores sempre a florescer (...) Suas matas são mais verdes, o azul do céu é mais anil (...) Em teus regatos, as límpidas águas luzem (...) Reino de prosperidade”. Já o santa-cruzense é visto assim: “Em Santa Cruz mora um povo feliz (...) Boieiros felizes a remar (...) Nas ruas, nossa gente marcha forte (...) Cultura é o nosso forte”.

São versos pinçados arbitrariamente, é verdade. O ideal seria transcrever aqui todas as letras, na íntegra. Mas, no frigir dos ovos, cada um desses versos quer dizer isso mesmo que você leu. E todos os versos juntos talvez digam o que certos cronistas encardidos não querem ver: que Santa Cruz, como a vida, é bela!


Pascoalino S. Azords

Pascoalino S. Azords

Cronista, mantém coluna no DEBATE desde 1977


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