Pascoalino S. Azords

O dia em que conheci o diabo

O dia em que conheci o diabo

Publicado em: 23 de julho de 2022 às 04:54

Teru era coreano e do Esquadrão da Morte. Eu nunca o vi no telex, ou na sala do telégrafo, onde reinavam os cegos e secavam estendidos aqueles que já contavam tempo para a aposentadoria. Quando eu cheguei para estagiar, Kim Teru pilotava a frequência do Deic no aquário do Centro de Operações da Polícia Civil. A cabine do Deic era a mais arriscada para os novatos: nela pairava o fantasma do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury (ou alguém que se passava por ele, dia e noite) chamando a atenção dos engraçadinhos que falavam bobagem no rádio da viatura. Para se ter uma ideia da importância de Fleury na polícia paulista, o ex-carrasco do Dops agora se intitulava Júpiter Uno na direção do Deic. E com o número 1 do maior planeta do Sistema Solar ninguém se metia: nem o delegado geral, nem o secretário da segurança, nem o nosso governador biônico. Sérgio Fleury tinha um telefone vermelho que falava direto com os ditadores de Brasília e fazia o que lhe dava na telha: prendia, matava e arrebentava.

Teru tinha uma cara fria, um sorriso falso, e uma das sobrancelhas de gueixa puxadas para cima. Nada sabíamos dele: se era casado, se era veado, ou se gostava de comida oriental. Mas, pelas roupas que usava, dava para perceber que ele ganhava muito mais do que a gente.

Hierarquicamente, Teru devia satisfações ao seu Álvaro e ao doutor Parra. Seu Álvaro era um negão que impunha respeito como chefe da Equipe D sem apelar para o seu porte de Oscar Peterson; o doutor Parra, coitado, parecia irmão do Mr. Bean. Mas, na prática não era bem assim. Numa madrugada fraca de desgraças, Teru podia desaparecer sem dar satisfações a nenhum dos dois. Se dizia que ele saía pra fazer um “bico legal” que pagava muito mais do que o governo do abominável Maluf nos pagava. O serviço extra do Teru era dar um fim em bandidos pé-de-chinelo que incomodavam comerciantes da periferia; ou torturar e assassinar jornalistas, escritores, professores e alunos que não tinham lá muita simpatia pela ditadura.

Num daqueles plantões sem fim, o trem dos estudantes de Mogi bateu de frente com outro trem. A primeira viatura informou que o número de mortos passava de cem. Devia ser inverno, pois àquela hora ainda estava escuro. Teru comandava as equipes da perícia e do IML empolgadíssimo com o número de vítimas fatais. Depois das seis, os mortos tinham caído para setenta. Perto das sete, Teru já não estava tão agitado: os mortos não passavam de trinta. Ao término da operação o seu rosto tinha voltado à sua normalidade coreana, completamente desapontado com o número que não parava de cair até estacionar em apenas uns dez ou quinze mortos – muito abaixo do acidente de 1972, com o mesmo trem, que em outra madrugada fria vitimou 23 estudantes em Mogi das Cruzes.

Mudamos para o Interior em 1984. Eu nunca mais soube do Teru, embora o tenha reencontrado em outras pessoas – se é que você pode me entender. Se estiver vivo, Teru já se aposentou há anos. E se não mudou de caráter, já tem candidato para presidente: um que faz apologia a criminosos do calibre do delegado Fleury, que morreu num feriado prolongado de 1º de Maio. A princípio, eu achei que era uma pegadinha. Mas, felizmente, era verdade. Para se ter uma ideia da cloaca em que vive e morre esse tipo de gente, não permitiram autopsiar o corpo do policial mais poderoso do Brasil. Foi no litoral norte de São Paulo. Como sei disso? Eu também estava de plantão naquela madrugada em que chamaram com urgência dizendo que Júpiter Uno tinha caído no mar e batido com a cabeça em um barco


Pascoalino S. Azords

Pascoalino S. Azords

Cronista, mantém coluna no DEBATE desde 1977


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