CULTURA

A descendente de judeus que teve luz própria e conheceu Chaplin e Albert Einstein: é Vera Martha Ranke Lorenzetti

Vera Martha foi casada com o ator Hercílio Lorenzetti e teve papel importante na sociedade de Santa Cruz, sendo fundadora da Apae

A descendente de judeus que teve luz própria e conheceu Chaplin e Albert Einstein: é Vera Martha Ranke Lorenzetti

Vera mostra cartaz de um dos filmes do marido, o inesquecível ator Hercílio Lorenzetti

Publicado em: 13 de março de 2023 às 16:35
Atualizado em: 13 de março de 2023 às 18:13

Sérgio Fleury Moraes

 

Quem perguntar por Vera Martha Ranke Lorenzetti, certamente terá a resposta de que se trata da viúva do inesquecível ator de cinema Hercílio Lorenzetti. No entanto, poucos se lembram que esta mulher, descendente de judeus que fugiram dos horrores nazistas, teve luz própria em Santa Cruz do Rio Pardo. Professora, dona de uma escola de idiomas e sempre disposta a ajudar o próximo, Vera foi fundadora da Apae há 49 anos. “Diziam que era uma loucura fundar a escola”, lembra, “mas nós insistimos”.

Vera foi a única da família a nascer em solo brasileiro — em Rolândia, no Paraná, em abril de 1937. Outros dois irmãos, Klaus e Bodo Ranke, nasceram na Polônia. A família tinha raízes na Alemanha e começou a ser perseguida pelos nazistas. Na Polônia, os avós de Vera eram banqueiros e moravam num luxuoso castelo em Zakrzew, que até hoje é preservado pela memória histórica daquele país.

A família, enfim, tinha posses. Os pais de Vera — o lavrador Eugênio Ranke e a botânica Margot Carst Ranke, ela de origem judia — eram proprietários de terras e cultivavam beterraba para a produção de açúcar. Com os rumores de que a invasão da Polônia pelos nazistas estava prestes a acontecer, os pais de Vera não tiveram outra opção a não ser abandonar o país.

 

Vera mostra livro de história da familia com foto do castelo do avô na Polônia

 

Vieram para o Brasil como refugiados. Como a comunicação era difícil naquela época, a família perdeu contato com muitos parentes. Pelo menos uma tia desapareceu na Alemanha nazista e possivelmente foi assassinada pelas forças de Adolf Hitler.

A família se estabeleceu em Rolândia, que na época pertencia a Londrina. Foi naquele município que nasceu Vera Martha. Enfim, eles escaparam dos nazistas, mas tiveram muitas dificuldades porque precisaram recomeçar a vida, praticamente do zero, numa terra nova e desconhecida.

A jovem cresceu estudando em casa, com professores amigos da família. Os pais pagavam a educação particular, uma vez que ela morava numa fazenda. Como não fizeram o antigo ginásio, Vera e algumas amigas se inscreveram para uma prova do governo federal que dariam a elas o título equivalente. O problema é que os candidatos precisavam ter 18 anos completos. Vera tinha 17.

O pai dela, então, viajou até o Rio de Janeiro para conversar com o ministro da Educação, explicando o problema e contando que que a filha era muito inteligente. Um decreto logo autorizou a participação de candidatos com 18 anos incompletos. Entre centenas de candidatos, Vera ficou entre os 26 primeiros.

 

Vera Martha Ranke Lorenzetti em sua residência numa fazenda que se confunde com a área urbana, onde morou com o marido Hercílio Lorenzetti durante décadas

 

Logo em seguida, a família de Vera bancou os estudos dela na Suíça, para estudar francês por no mínimo um ano. Na Europa, a pedido dos pais, a jovem visitou a família da governanta e pajem que cuidaram da casa dos avós na Polônia. O avô era o judeu Eli Cohn, que passou a se chamar Carst devido à perseguição nazista.

O impressionante é que, durante os estudos na Suíça, Vera Martha conheceu pessoalmente personalidades como Albert Einstein e Charles Chaplin. Ela teve a chance de acompanhar, inclusive, o físico tocar um órgão numa igreja da Suíça.

 

Vera Ranke Lorenzetti com a neta Ana Cláudia e a filha Mariângela

 

De volta ao Brasil, Vera já falava inglês, alemão e francês. Em São Paulo, foi tradutora e secretária intérprete da Fábrica Nacional de Vagões, uma estatal fundada por Getúlio Vargas. Foi nesta época que ela morou na residência de um casal que trabalhava no cinema. Ele era o tio do atual apresentador Pedro Bial, da Globo, que costumava fotografar filmes do santa-cruzense Hercílio Lorenzetti.

Era inevitável o encontro entre ambos. Vera e Hercílio se apaixonaram a ponto de ela abandonar o emprego na estatal, aos 22 anos. Hercílio, por sua vez, abandonou a carreira no cinema logo depois, aos 37 anos. Foi, de fato, uma paixão avassaladora e os dois se casaram em pouco tempo.

 

Vera tinha 22 anos quando se casou; Hercílio, 37

 

Vera garante que nunca teve ciúmes do marido nas telas. “Ele era um homem muito bom e responsável”, lembra.

O casal morou alguns meses num sítio em São Roque, onde cultivava uvas para a fabricação de vinho. Mas foi apenas o tempo para que a casa na fazenda “São Vicente” ficasse pronta em Santa Cruz do Rio Pardo. Em 1962, já estavam na cidade, na propriedade que pertenceu ao fazendeiro Enrico Plácido Lorenzetti, pai de Hercílio.

A fazenda é a mesma em que Vera e Hercílio criaram os quatro filhos — Mariângela, Plácido, Cláudia e Martha — e viveram muitos anos felizes, no início cultivando café. Hercílio morreu em 2010, mas sua memória artística sempre foi mantida pela família.

Prestes a completar 86 anos, Vera Martha Ranke Lorenzetti diz que sempre se preocupou com o próximo. Na época em que morava com os pais na fazenda de Rolândia, ela percorria as colônias para ajudar as famílias e principalmente as crianças. “Eu gostava de ensinar os jovens a ler e até as mães a cuidar as crianças”, lembra.

 

Vera Martha guarda com carinho o cartaz de um dos filmes estrelados pelo marido Hercílio Lorenzetti

 

Em Santa Cruz, Vera fundou uma escola de idiomas, da rede Fisk, e deu aulas particulares de inglês e francês. Mas sua luta mais extraordinária foi pela fundação da Apae — Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Ela estava na primeira reunião para a criação da Apae, junto com outras 40 pessoas, no início de 1974.

Vera Martha foi a primeira presidente da instituição em Santa Cruz do Rio Pardo no biênio 1974-1975 e reeleita para o biênio seguinte.

Vera e Hercílio certamente seguiram os passos do fazendeiro Enrico Plácido Lorenzetti, pai do ator de cinema, que foi um benemérito em Santa Cruz e chegou a doar um avião para o aeroclube que existia entre as décadas de 1930 e 1950.

 

 Vera discursa na inauguração da escola Sesi “Hercílio Lorenzetti” em 2013

 

Pois o casal também fez doações históricas. A área onde está a sede da escola Sesi, com mais de 25 mil metros quadrados, por exemplo, foi totalmente doada pela família. A unidade, inaugurada em 2013, foi batizada de “Hercílio Lorenzetti”. Uma outra área no Jardim Paraíso foi doada para a fundação da paróquia de Nossa Senhora das Graças.

Recentemente, a família doou uma nova área ao município para o prolongamento de uma rua da vila Saul. “Não somos nada. Abaixo de Deus, somos todos irmãos e precisamos olhar para o próximo”, repete Vera Martha.

Vera mostra título de “cidadã santa-cruzense” recebido da Câmara

 

 

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