CULTURA

Aposentada viveu época áurea de Sodrélia

Aos 84 anos, Vilma Rodrigues Faria viveu fase de ouro do distrito de Santa Cruz do Rio Pardo, que já teve até cartório

Aposentada viveu época áurea de Sodrélia

MORADORA ‘RAIZ’ — Vilma Rodrigues Faria nasceu e viveu seus 84 anos no distrito de Sodrélia, onde se casou e criou seus filhos

Publicado em: 10 de novembro de 2023 às 02:54
Atualizado em: 10 de novembro de 2023 às 03:09

Sérgio Fleury Moraes

 

Aposentada e viúva, Vilma Rodrigues Faria viveu seus 84 anos exclusivamente em Sodrélia. Ela nasceu, se casou e mora até hoje no distrito de Santa Cruz do Rio Pardo. “Daqui não saio”, diz. Vilma viveu na infância e juventude o período de expansão econômica de Sodrélia, principalmente provocada pelos trilhos do ramal da Sorocabana e pela cafeicultura.

De fato, o distrito foi o mais pujante de Santa Cruz entre as décadas de 1950 e 1960. Teve 2.677 moradores, segundo o censo do IBGE de 1950, e 2.751 na amostragem oficial dez anos depois, a maioria esmagadora na área rural de Sodrélia. Em 2010, só restavam 645 habitantes.

O lugar começou a ser povoado após 1908, quando foi inaugurada a estação batizada de “Francisco Sodré”, nome do coronel que foi chefe político após a morte de Batista Botelho. Com o tempo, as pessoas se referiam ao lugarejo como “Sodré”. Depois, virou Sodrélia. Desde 1929 houve uma grande expansão econômica e, em 1935, era Distrito de Paz. Ganhou oficialmente a condição de distrito em 1938.

 

PASSADO E PRESENTE — A estação ferroviária de Sodrélia em 1923 (foto de Guilherme Gaensly); abaixo, os escombros do prédio que até hoje não foi restaurado

 

Vilma Faria disse que Sodrélia tinha Cartório de Registro Civil, posto de gasolina, açougue, agência do Correio, farmácia, armazém de secos e molhados e até lojas de roupa e alfaiate. “Mas tudo acabou. O distrito era muito movimentado e, quando criança, eu e minhas amigas íamos até a estação todos os dias para ver o trem passar. Era a nossa diversão”, lembra.

“Eu viajei muito de trem. O ramal era pequeno, de Santa Cruz a Bernardino de Campos e a gente precisava ter cuidado com a fuligem que saía da chaminé da locomotiva, que chamavam de Maria-Fumaça”, disse.

A aposentada cuidava de uma pequena propriedade rural junto com o marido. Depois, ele montou um bar no centro de Sodrélia e o administrou por 40 anos, até se aposentar. O estabelecimento foi transferido para a filha Ana Maria, que comanda o bar há mais de 20 anos.

Vilma gosta de afirmar que nasceu, foi batizada, cresceu e se casou no distrito. Ela viu com os próprios olhos o fato que economistas e estudiosos, anos mais tarde, relatariam em dissertações e artigos. A economia de Sodrélia era fundamentada na agricultura — principalmente arroz (sequeiro), feijão e café — e nas empresas de beneficiamento de grãos.

“O movimento aumentava na época da safra, porque havia muita gente que trabalhava na lavoura, especialmente os colonos na fazenda Mandaguahy. As pessoas lotavam os armazéns do Libardi e do Ciro Queiroz”, afirmou. “Estes dois armazéns eram bem sortidos e supriam a fazenda”.

 

Nos anos 1940,  o farmacêutico “Totó” Figliolia posa com a família para uma foto em Sodrélia

 

A Mandaguahy, uma das fazendas mais antigas de Santa Cruz do Rio Pardo, foi de propriedade do Coronel Antônio Evangelista da Silva, o “Tonico Lista”, que reinou politicamente no município desde a década de 1910 até ser assassinado em 1922. Um ano antes, Tonico vendeu a fazenda para a “Sociedade Anônima Moinho Santista” por uma verdadeira fortuna, sendo o negócio considerado uma das maiores transações comerciais do interior de São Paulo.

“Meu pai falava muito do Tonico Lista. Dizia que era um homem muito poderoso”, lembra Vilma.

A safra de café era tão grande que existia um trecho de trilho, somente para passagem de vagão, para levar a safra até a estação ferroviária. Para se ter uma ideia da pujança do distrito, em 1940 Sodrélia respondia por mais de 20% do total da exportação de café de Santa Cruz do Rio Pardo. Tudo era levado ao porto de Santos pelos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana, através do corredor de exportação Mairinque-Santos, construído em 1937.

Economia à parte, Vilma conta que a política também “fervia” em Sodrélia. “Nas eleições, havia comitês eleitorais do PSD e da UDN. Os dois distribuíam lanches para os moradores. Na verdade, o pessoal comia nos dois comitês”, diz Vilma, rindo. “Os comícios eram feitos na praça e muita gente acompanhava. São tempos antigos, pois hoje nem comício existe mais”, afirmou.

Aliás, os “tempos antigos” fizeram de Sodrélia um distrito poeirento. Havia carroças e cavalos transitando pelas ruas de terra. Hoje, segundo Vilma, até um cavaleiro é difícil de encontrar nas ruas asfaltadas. “De vez em quando algum para no bar para tomar uma cachaça”, diz.

No tempo da “poeira”, o médico de Sodrélia era, na verdade, o farmacêutico Antônio Figliolia, o “Totó”, que foi eleito vereador pelo distrito em 1951. Vilma conta que, certo dia, a mãe foi picada por uma cobra ao retornar da lavoura. “Era uma cascavel e ela procurou o Totó imediatamente. Não sei se o farmacêutico tinha o soro, mas o fato é que minha mãe foi curada”, lembrou.

A aposentada também teve um trailer de caldo de cana e pastel em Bernardino de Campos. “Viajava todo dia e vendia bem”, conta, lembrando que deixou o negócio quando a rodoviária daquela cidade mudou de local, reduzindo o movimento.

Mas ela também vendou muita pipoca e amendoim no estádio de Sodrélia, batizado de “Lúcio Casanova Neto” em homenagem ao ex-prefeito e ex-deputado de Santa Cruz do Rio Pardo. Aos domingos, nos confrontos esportivos da Sodreliense, o local ficava lotado.

Viúva há 12 anos, Vilma conta que teve uma vida harmoniosa com o marido, José Faria. Mas deu uma bronca certa vez, quando o marido saiu pela zona rural com a carroça para vender os produtos da lavoura. No bairro conhecido como “Cebolão”, José parou na casa do amigo Valdomiro, que estava fritando carne de porco. “Os dois passaram a comer e beber pinga. Meu marido ficou tão ruim que dormiu por lá mesmo, deixando a carroça, puxada por um burro, sem o freio. Como o animal ficou com sede, desceu até o rio e, empurrado pela carroça, morreu afogado. A bebedeira custou o animal e as compras”, contou Vilma Faria, rindo. 

 

* Colaborou Cláudio Sales

 

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