Gilnei e a bisneta Helena mostram o livro de receitas escrito por Kareka em parceria com o amigo (e também cozinheiro) Clodoaldo Lorenzetti
Publicado em: 02 de setembro de 2023 às 01:07
Sérgio Fleury Moraes
Houve uma época em que Santa Cruz do Rio Pardo tinha o privilégio de ter duas churrascarias que fizeram história. Uma era a do “Zequinha”; a outra, do “Kareka”. Pouco conhecido pelo nome verdadeiro, mas muito popular pelo apelido, Antônio Teixeira Pinto nasceu em Bernardino de Campos, mas cresceu em Santa Cruz. Perambulou por vários empregos, inclusive de vendedor de sapatos, mas se notabilizou pela histórica churrascaria.
Em 1969, Kareka ganhou muito dinheiro vendendo figurinhas de um álbum chamado “Paulistão 69”, que dava prêmios para quem completasse todos os cromos. Havia três figurinhas “carimbadas”, que eram mais difíceis, mas a promoção distribuía desde pelúcias até automóvel. Virou uma febre em Santa Cruz, sob coordenação de Adolfo Bueno.
Em 1970, já casado com Gilnei Lúcia da Silva, Kareka usou o dinheiro das figurinhas para comprar a lanchonete “Pinguela”, um espaço criado por outro nome lendário do ramo de alimentação e entretenimento em Santa Cruz: Antonio Carlos Fernandes, o “Dedé”. O negócio foi fechado e o estabelecimento ficava na rua José Ephifânio Botelho, quase na esquina da Conselheiro Dantas. Tinha uma pinguela de verdade para entrar no local, inclusive com peixes.
Com espírito aventureiro, Kareka não ficou muito tempo com a “Pinguela”. Em 1973, em sociedade com o advogado Cláudio Catalano e o despachante Clóvis Pereira Borba (o “Gauchinho”), Kareka comprou uma churrascaria em Goiânia. O espaço era enorme, com capacidade para 400 pessoas sentadas.
Foi um sucesso estrondoso, principalmente pelo “feijão tropeiro”, uma iguaria que o cozinheiro sabia fazer como poucos. “Ninguém fez este feijão como o Kareka. Era o verdadeiro prato de Goiânia, diferente dos tropeiros que muita gente oferece hoje”, conta Gilnei.
No final de 1974, já de volta a Santa Cruz, Kareka “inventa” um novo desafio, desta vez mais duradouro. Com ajuda do sogro, João Inácio da Silva, que cedeu o terreno na avenida Clementino Gonçalves, ele inaugura a “Churrascaria do Kareka”. O estabelecimento era inovador, inclusive com paredes de bambu. Era o fino do rústico.
O único problema foi que os bombeiros reprovaram o telhado, que era muito baixo, adiando a inauguração. A solução também foi curiosa: vários “macacos” de caminhões simplesmente levantaram o telhado, para surpresa de uma multidão que ficou em frente ao estabelecimento.
Na verdade, Kareka inaugurou um ponto comercial que se tornou tradicional em Santa Cruz. O primeiro churrasco foi feito para um grupo de seleto convidados, para apresentar o “feijão tropeiro”, uma novidade para Santa Cruz do Rio Pardo. Na verdade, a família também festejou o batizado do segundo dos três filhos.
O prato principal atraiu tanta gente que Kareka criou um “slogan” para a churrascaria: “rei do feijão tropeiro”. A iguaria era acompanhada por vinagrete, arroz e carne no espeto, que era escolhida a dedo e adquirida em Bauru. Quem conheceu, nunca mais esquece.
Kareka gostava muito de Carnaval e, inclusive, chegou a comandar o bar interno do Icaiçara Clube durante os eventos carnavalescos – naquela época existiam até seis noites de folia. Ele foi até carnavalesco desfilando pela escola de samba “Império de São José”. O cozinheiro também foi o primeiro profissional a oferecer “canja” aos foliões no final da madrugada.
A churrascaria ficava lotada até o raiar do sol. “Eu fiquei seis noites sem dormir, ajudando meu marido a preparar a canja. Na verdade, descobrimos por acaso quando, ao final de um baile, chegamos em casa e ele queria comer alguma coisa. Fiz uma canja e ele notou que ficou revigorado. Decidimos oferecer no Carnaval e deu certo”, conta Gilnei.
Kareka foi muito amigo de Clodoaldo Lorenzetti, o “Clôdo”, dono do restaurante “Ringo Drink’s”. A pareceria foi tão sólida que os dois lançaram em 1990 o livro “As 1.000 Especialidades – Receitas Culinárias”, que até hoje tem cópias em xerox disputados por profissionais da cozinha.
Mas o cozinheiro nem teve tempo de fazer o lançamento do livro. Ficou doente e morreu em 1991. Hoje, Gilnei vive das boas memórias na companhia de Kareka. Aos 78 anos, já é bisavó. No entanto, guarda a sete chaves a receita do famoso feijão tropeiro da antiga churrascaria. “Esta eu não ensino a ninguém”, brinca.
* Colaborou Toko Degaspari
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