CULTURA

O homem que viu Saddam de perto

O homem que viu Saddam de perto

Publicado em: 02 de agosto de 2017 às 17:10
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 08:07

Santa-cruzense trabalhou dois

anos no Iraque, entre 1979 e 1981

Foto da família de 1956, quando Fabiano Pereira da Silva, fundador da vila que leva seu nome, completou “bodas de ouro” com a mulher

Foto da família de 1956, quando Fabiano Pereira da Silva, fundador da vila que leva seu nome, completou “bodas de ouro” com a mulher



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

No velho e histórico casarão onde mora a mãe, Nadir Gonzaga, 93, na vila Gonzaga, o aposentado Edmundo Gonzaga de Oliveira, 73, costuma rever as lembranças da infância na cidade onde nasceu. Engenheiro mecânico, ele viajou pelos quatro cantos trabalhando na Construtora Mendes Júnior, mas nada o marcou tanto como os dois anos em que participou da construção de uma ferrovia no Iraque. Foi em 1979, na ditadura militar.

Hoje residente em Curitiba, Edmundo sempre gostou de aventuras e o Iraque foi uma delas. Aliás, o santa-cruzense conheceu de perto o ditador iraquiano Saddam Hussein, que governou aquele país até 2003, quando foi capturado e enforcado três anos mais tarde. Edmundo evita fazer considerações políticas sobre Saddam, pois viu um Iraque desenvolvimentista e um presidente sorridente e amável nas ruas. “Na verdade, se os árabes se unissem, certamente dominariam o mundo. Mas eles brigam entre si”, afirmou.

LUGAR SAGRADO — Edmundo com o filho nas margens do rio Eufrates, que corta o Iraque, no ano de 1979

LUGAR SAGRADO — Edmundo com o filho nas margens do rio Eufrates, que corta o Iraque, no ano de 1979



Edmundo passou a infância e juventude em Santa Cruz do Rio Pardo. O avô, Fabiano Pereira da Silva, foi o fundador da vila Fabiano. “Brinquei muito naquele pasto e vi surgirem as primeiras ruas”, diz. O curioso é que o avô paterno também criou outro bairro, a vila Gonzaga, onde a mãe mora até hoje.

O engenheiro foi amigo do filho do advogado Omar Ferreira, que disputou as eleições para prefeito em 1947 e 1955, sendo derrotado nas duas por Lúcio Casanova Neto. “A família morava naquele casarão no final da avenida Tiradentes, perto da loja Vuolo. Um dia, vieram algumas primas dele e passamos o dia todo brincando. Mal sabia que uma delas era Silvia, hoje rainha da Suécia”, conta.

O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, que morreu enforcado após julgamento

O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, que morreu enforcado após julgamento



No país de Saddam

Edmundo em Bagdá, no Iraque, logo que começou a trabalhar na ferrovia

Edmundo em Bagdá, no Iraque, logo que começou a trabalhar na ferrovia



No Iraque, o santa-cruzense conheceu outros costumes numa nação que é um dos berços da civilização, parte da antiga Mesopotâmia. Edmundo morou num acampamento da Construtora Mendes Júnior ao longo da ferrovia de 400 quilômetros que estava sendo construída.

“Aquele povo é maravilhoso. Me lembro de um amigo que, na visita a uma família, mostrou-se maravilhado com um tapete que, de tão belo, ornamentava uma parede como um quadro. Pois o dono da casa percebeu e deu a ele o tapete como presente. E se recusasse, seria uma ofensa. Eles são assim”, contou.

Foi no acampamento que Edmundo esteve a poucos metros de Saddam Hussein. “Ele costumava visitar as obras e era muito simpático. O problema eram os seguranças, pois eles usavam galhos para afastar o povo. E batiam mesmo”, lembra, rindo, admitindo que levou algumas “chibatadas” pela curiosidade.

Oficialmente, a construtora brasileira foi contratada para construir uma ferrovia para o transporte de minérios. “Mas todo mundo sabia que isto era mentira. Não havia minas ou processadoras de minérios nos extremos da linha. As estações também eram estranhas, com passarelas enormes. Era, na verdade, uma ferrovia para o transporte de tanques de guerra”, conta Edmundo.

Avô Fabiano e a mulher nos anos 50

Avô Fabiano e a mulher nos anos 50



Edmundo não viu de perto a guerra entre o Iraque e o Irã que acontecia na época, mas passou por situações inusitadas. O acampamento brasileiro, por exemplo, ficava ao lado de um aeroporto militar. A casa dele, onde ficou com a mulher e os filhos, tinha piscina, onde amigos se reuniam para se refrescar do calor insuportável. As brasileiras, claro, usavam biquínes. “Era impressionante ver enormes helicópteros ou jatos sobrevoando a casa. Eles queriam ver as mulheres”, conta. É que no Iraque, grande parte das mulheres trajava burcas na época, cobrindo todo o corpo.

Em Bagdá, por sinal, até hoje a maioria das casas não tem telhados tradicionais. “É só laje, pois chove muito pouco por ano. Além disso, muitos moradores gostam de dormir no telhado quando o calor está insuportável”, explicou. Certa vez, Edmundo teve a curiosidade de medir a temperatura no canteiro de obras. Estava 56º na sombra.

De fato, Edmundo também conheceu o outro lado, como a pobreza e os problemas climáticos. Nos hospitais públicos, havia gente espalhada pelos corredores. As tempestades de areia também assustavam, a ponto de não se conseguir enxergar mais do que três metros à frente. “Quando chovia de verdade, era um temporal que inundava estradas”, lembra. Assim, sua volta ao Brasil foi abreviada e o Iraque se transformou em memórias distantes.

* Colaborou: Toko Degaspari
SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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