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Márcio Nelli, um escritor anônimo

Márcio Nelli, um escritor anônimo

Publicado em: 14 de fevereiro de 2021 às 14:44
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 14:40

Gráfico durante 40 anos nos tempos da tipografia em Santa Cruz do Rio Pardo, Márcio Nelli foi um escritor que não teve tempo de mostrar seu trabalho

Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Ele foi um dos últimos tipógrafos de Santa Cruz do Rio Pardo, da época não muito distante em que impressos e até jornais eram diagramados com tipos de chumbo, letra a letra, antes de impressos em máquinas que pesavam toneladas. Márcio Nelli foi tipógrafo durante 40 anos, trabalhando com os padres dominicanos e depois em gráfica própria. Foi também goleiro de times amadores e integrante de fanfarra. O que pouca gente sabe é que ele também era escritor.

Irmão do músico Mário Nelli e neto do coronel Moyses Nelli, Márcio morreu no dia 5 de janeiro de 2005 — exatamente no “Dia do Tipógrafo” —, após um câncer fulminante. Do diagnóstico ao óbito, foram praticamente 30 dias. Deixou lembranças, saudades e uma pasta com vários contos datilografados. O material está com a filha Mônica Stela Nelli, que também guardou alguns objetos do pai que lembram sua história a tipografia.

Entre as lembranças de Márcio, estão "clichês", carimbos e letras tipográficas de chumbo



Tesoura da época da gráfica dos Dominicanos



Na verdade, Márcio Nelli era um autodidata. Devorava livros todos os dias e trazia para casa os jornais e revistas que a tipografia assinava. “Até mesmo quando almoçava, meu pai não ficava sem um livro. Leia tudo — e de tudo”, conta a filha Mônica. Márcio gostava muito de livretos com aventuras e romances de faroeste. Chegou a ter mais de 600 deles.

O hábito contaminou a família. Mônica se lembra que, em casa, a vida cotidiana não era grudar na TV aos domingos ou à noite. “A gente lia muito. Cada um em seu cantinho, com um jornal, revista ou livro na mão”, disse. Não por acaso, ela seguiu os passos da mãe, Maris Stela, e se tornou professora.

Márcio, a esposa e os filhos, numa festividade religiosa



Além da paixão pela leitura, Márcio trabalhava na antiga e histórica “Escola Tipográfica Dominicana”, que pertencia aos padres da Ordem de Santa Cruz do Rio Pardo. No início, a gráfica ficava no porão da Escola Dominicana e, mais tarde, se transferiu para a rua Euclides da Cunha, no prédio onde hoje fica a loja “Stoke”.

A tipografia fazia impressos ao público, mas também tinha publicações próprias, como a revista cristã “Apostolado da Verdade”, com assinantes em todo o Brasil. Em 1960, por exemplo, o diretor responsável da publicação era o frei João Alves Basílio, sendo redator o frei Estevão Nunes. Com 16 páginas em média, a revista mensal era montada manualmente, letra a letra.

O goleiro Mário, na quadra da antiga Escola Técnica de Comércio



Há vários exemplares do “Apostolado” que Márcio deixou em seus arquivos. Além disso, ele guardou um “numerador” de impressos manual, vários tipos e o “clichê” com o logotipo do jornal “O Saci”, que circulava na antiga Escola de Comércio XX de Janeiro, onde ele estudou. O “clichê” era uma imagem gravada em placa metálica para a impressão no sistema tipográfico.

Há, ainda, uma tesoura com a inscrição “E. T. Dominicana”, certamente usada na tipografia.

Quando os frades dominicanos resolveram fechar a tipografia, Márcio e mais três amigos — Jatti, “Prancha” e Moacir — compraram as máquinas, mudando o nome para “Tipografia Associadas”. O negócio foi bem até que a tecnologia avançou e sepultou as tipografias e a arte manual dos pioneiros.

Com os amigos de trabalho na época da tipografia dominicana



Já aposentado, Márcio certa vez foi escalado para fazer um texto sobre uma cerimônia das “Bodas de Ouro” dos sogros. Ficou tão bom que os parentes logo o incentivaram a continuar escrevendo.

Surgiram, a partir daí, os contos de Márcio Nelli que ainda estão guardados pela família. Em seus textos, escritos com uma linguagem fácil e ortograficamente perfeita.

Márcio, na verdade, narrou fatos pitorescos de sua vida profissional, na escola e na sociedade. Como se transformou num grande amigo dos frades dominicanos, há crônicas sobre o dia a dia da Escola Apostólica ou os desafios futebolísticos nos gramados. E Márcio cita os personagens, como frei Celau e outros.

Márcio na fanfarra da antiga Escola de Comércio "XX de Janeiro"



Há, ainda, narrativas sobre a rebeldia da juventude dos anos 1950 e 1960. Um dos textos conta sobre um protesto inusitado dos jovens contra a situação precária do prédio do antigo “Cine Pedutti” e a queda na qualidade dos filmes. Um grupo simplesmente entrou no cinema com pardais escondidos nos bolsos dos paletós. Os pássaros foram soltos quando o filme já tinha avançado, causando uma situação constrangedora para os “lanterninhas”, que tentavam caçar os pardais enquanto o público ia às gargalhadas. Segundo a crônica de Márcio, foram cenas tão engraçadas que ninguém se importou quando o filme foi suspenso.

Márcio participou de alguns concursos literários e a filha Mônica ainda tem alguns certificados, como alguns promovidos pelo antigo Banco Real.

O tipógrafo teve uma vida muito intensa. Amante do Meio Ambiente, cuidava de centenas de pássaros e era o responsável pela horta da chácara da família. Quando se aposentou, também se enveredou pelo artesanato, fazendo até móveis para a família em uma pequena oficina que montou nos fundos da sua casa.

Márcio também foi esportista durante muitos anos, desde a juventude até quase se aposentar. Era goleiro de futebol de campo e de salão, considerado um dos melhores de sua época.

Aliás, só parou de jogar porque teve problemas no joelho. Porém, continuou organizando campeonatos amadores de futebol de salão.

Como goleiro, atuou em vários times e foi campeão pela Associação Atlética Santacruzense.

Filha e neto de Márcio mostram foto do pai "cozinheiro"



Ele também foi músico, tocando percussão durante muitos anos na fanfarra da “Escola Técnica de Comércio XX de Janeiro”, participando, inclusive, de concursos em várias cidades. Márcio também tocava gaita, que aprendeu de ouvido, já que tinha a sensibilidade herdada da família.

Segundo a filha Mônica, ele uma vez pensou ser possível selecionar aqueles contos e crônicas para publicar um livro. Mas não teve tempo. Quando um câncer foi descoberto, já havia metástase e Márcio morreu um mês depois. A doença se manifestou porque Márcio fumou a vida toda, mas principalmente pelo chumbo dos tipos gráficos, já que este material pesado não é descartado pelo organismo.

* Colaborou Toko Degaspari



  • Publicado na edição impressa de 7 de fevereiro de 2021


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