ECONOMIA

O grande ‘conto do vigário’

Economista analisa visões equivocadas de que Brasil poderá se transformar numa “Venezuela” ou “Argentina”

O grande ‘conto do vigário’

Publicado em: 03 de novembro de 2023 às 17:33

Miguel Moyses Abeche Neto

Especial para o DEBATE *

 

Existe um conto do vigário correndo as redes sociais e insuflado por parte dos financistas do mercado financeiro e propalado pelo ex-ministro Paulo Guedes de que o Brasil corre o risco de se transformar na Venezuela ou Argentina. É uma bobagem imensa, uma previsão sem pé nem cabeça. Quem a propaga ou é totalmente ignorante ou está de má-fé.

Tanto a Argentina como a Venezuela vivem crises cambiais, não têm dólares para pagar suas importações e seus compromissos internacionais. A Argentina vive uma crise que se tornou crônica em razão das várias tentativas de dolarizar a sua economia. Isso vem desde os anos 1950, no governo do general Aramburu, passando pela conversão do presidente Arturo Fondizzi à política neoliberal de seu ministro da Economia, Álvaro Alsogaray (1959 -1962). Depois, continuou na ditadura militar imposta pelo general Ongania e a política novamente ultraliberal de Adalberto Vasena Krieger, ministro da Economia pela segunda vez, a primeira na ditadura de Aramburu entre 1956 a 1958 e a segunda, entre 1967 e 1969, sempre com o receituário ultraliberal.

Isto sempre colocou a economia argentina no precipício, com resultados decepcionantes. Em março de 1976 instala-se mais uma vez uma ditadura comandada pelos militares e, desta vez, aboleta-se no ministério da economia José Martinez de Hoz. Ligado à oligarquia rural argentina, Hoz inspira-se na política adotada no Chile sob Pinochet e comandada pelos “Chicagos Boys”, denominação dada à equipe econômica toda ela proveniente da Escola de economia da Universidade de Chicago e sob a orientação do professor Milton Friedman.

Privatizou-se quase tudo. O câmbio foi valorizado, com taxas de juros elevadas e abertura comercial sem contrapartida e reciprocidade de outros países. Houve ainda proibição dos sindicatos de trabalhadores, proibição de greves , e endividamento externo através de elevadas taxas de juros internas e criando mecanismos de acesso ao crédito internacional para que as empresas buscassem recursos internacionais dada a grande liquidez que dispunha o sistema financeiro das grandes economias graças aos “petrodólares”, assim denominados porque eram provenientes dos países árabes e da Venezuela que recebiam um volume de dólares monstruoso em virtude da disparada do barril do petróleo a partir de outubro de 1973.

Como os países árabes não tinham uma rede bancaria em condições de investir esse volume de recursos, utilizavam principalmente os Estados Unidos, Inglaterra e França para realocar essa montanha de dólares. Em 1979 Paul Volcker, o novo presidente do Banco Central norte-americano, jogou a taxa de juros para 19% para conter a inflação americana. Como os empréstimos externos contratados pela Argentina era com taxas flutuantes, isto arrastou a Argentina para uma crise com consequências de longo prazo.

Com o peso valorizado artificialmente, um mar de empréstimos em dólar principalmente da iniciativa privada, que foi induzida a buscar recursos em dólar pelo ministro Martinez de Hoz, com a finalidade de fechar as contas externas, já que a balança comercial era deficitária em virtude do câmbio valorizado e, assim, criando um rombo nas contas externas, agravado pelas altas taxas de juros que agora esse endividamento era obrigado a pagar.

A política de abertura aloprada, câmbio valorizado e juros elevados levou a economia portenha a um encilhamento perverso que destruiu parte de seu parque industrial e acelerou a decadência econômica e social dos argentinos. Resultado dessa estupidez: em 1982, a retração econômica foi de 6%, o desemprego atingiu 25% e a inflação explodiu. No Chile, a política dos “Chicago Boys” foi de terra destruída em 1982, quando o desemprego atingiu 30%, o PIB caiu 16% e o quadro social deteriorou-se, produzindo miséria.

O sistema bancário chileno quase desapareceu. Dos 30 bancos que existiam no país, 17 haviam quebrado, obrigando a ditadura de Pinochet a estatizar o seu sistema bancário quase todo com a intervenção do estado para salvar seus bancos, contrariando toda a doutrina da escola de Chicago e o ultraliberalismo de que o mercado resolve tudo. Esses governos só se sustentaram porque eram uma ditadura e haviam abolido os partidos políticos, os sindicatos e cabresteado o sistema judiciário e imposto uma severa censura à imprensa. Mais uma vez, o experimento ultraliberal levou a Argentina ao fundo do poço e quebrou as estruturas de sustentação da ditadura chilena comandada por Pinochet.

Adalberto Vasena Krieger, ministro da Economia pela segunda vez - a primeira na ditadura de Aramburu entre 1956 a 1958 e a segunda, entre 1967 e 1969, sempre aplicou o receituário ultraliberal, colocando a economia Argentina no buraco, com resultados decepcionantes.

Em março de 1976, instala-se mais uma vez uma ditadura comandada pelos militares. Desta vez, aboleta-se no ministério da economia José Martinez de Hoz. Ligado à oligarquia rural argentina, Hoz inspira-se na política adotada no Chile sob Pinochet e comandada pelos “Chicagos Boys”. Privatizou-se quase tudo. Câmbio valorizado, taxas de juros elevadas, abertura comercial sem contrapartida de outros países, proibição dos sindicatos dos trabalhadores, proibição de greves e endividamento externo através de elevadas taxas de juros internas. Além disso, criou-se mecanismos de acesso ao crédito internacional para que as empresas buscassem recursos internacionais dada à grande liquidez que dispunha o sistema financeiro das grandes economias graças aos petrodólares.

Em 1982, a retração econômica foi tamanha que obrigou os militares a devolverem o país aos civis, mais uma vez em estado falimentar, mas com a agravante da destruição da sua base industrial e do aumento do índice de pobreza. Esses experimentos ortodoxos monetaristas, baseados nas ideias da escola austríaca de economia de seguidores de Jean Batispte Say, requintadas por Milton Friedman, tem como destino certo o desastre e nenhum país repetiu tanto as mesmas sugestões dessas escolas como a Argentina.

Esse experimento no Chile de Pinochet obrigou a ditadura chilena a abandonar esses dogmas em 1982, quando o Chile literalmente quebrou, levando de arrastão todo o seu sistema bancário e obrigando os “Chicagos Boys” a contrariar toda a teoria que havia feito do Chile um laboratório experimental de Friedman.

A Argentina tentou mais uma vez esses mesmo remédio no período em que Carlos Menem foi presidente, tendo como ministro da Economia Domingo Cavallo. Só que dessa vez se aprofundou e radicalizou-se ao ponto de colocar na constituição a paridade de um dólar por um peso. Vendeu-se todo o estado Argentino e, em 2001, o país entrou em estado terminal. Sem dólares para manter a paridade, apelou-se para o “curralito”, espécie de bloqueio de contas dos anos Collor no Brasil. A Argentina, que havia sido a “menina dos olhos” dos mercados, havia virado pó com as receitas do pessoal do mercado financeiro internacional.

O Brasil vive uma realidade diferente. Durante 100 anos, vivemos dependente de recursos externos para equilibrar nossa balança comercial. Até 2002, a economia brasileira foi comandada de fora para dentro. O Fundo Monetário internacional dava as cartas e jogava de mão. Vivíamos em constantes crises cambiais que facilitavam o ataque especulativo contra nossa moeda.

Chegou-se ao absurdo do governo Clinton bancar um “empréstimo ponte” de 40 bilhões de dólares com a única finalidade de salvar os fundos de investimentos que haviam acreditado no Real forte e experimentavam a angústia de ver esse dinheiro desaparecer. Só para exemplificar: quando foi internalizado, esse volume de recursos se transformou em 40 bilhões de reais. Com a desvalorização do Real em janeiro de 1999, para comprar os mesmos 40 bilhões de dólares, seriam necessários 150 bilhões de reais. Ou, convertendo pelo câmbio desvalorizado, os 40 bilhões de dólares que ingressaram no Brasil se transformaram em 10 bilhões de dólares. Os investidores americanos foram salvos pelo presidente Clinton, mas a conta da operação foi salgada para os brasileiros.

Assim vivemos durante mais de 100 anos. Com a ida de Guido Mantega para o Ministério da Fazenda e Dilma Rousseff para a Casa Civil, montou-se a estratégia de fazer um volume elevado de reservas cambiais para evitar novas crises que resultariam em constantes ataques especulativos, que obrigavam a transferência das decisões de nossa economia para além de nossas fronteiras.

Assim, os 370 bilhões de reservas cambiais acumulados durante o segundo governo Lula e os anos Dilma dão a tranquilidade e segurança de que não sofreremos ataques especulativos, nem restrições às importações e muito menos o perigo de ter nossa economia submetida a decisões tomadas fora de nossas fronteiras contra os interesses de nosso País e de nossa gente.

Somos credores do Fundo Monetário Internacional e temos divisas para quitar a dívida externa em sua totalidade. Quando fazem a comparação entre nossa economia e a da Argentina ou da Venezuela, sugerindo que possamos ter o mesmo destino, podem rir porque é um conto do vigário.

 

* Economista formado pela PUC, Miguel Moyses Abeche Netto foi superintendente do Incra no governo de Fernando Henrique Cardoso e morou muitos anos em Santa Cruz do Rio Pardo

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