O deputado encerrou sua carreira política após um incidente com o general Figueiredo, último presidente da ditadura militar
Publicado em: 17 de novembro de 2023 às 18:33
Sérgio Fleury Moraes
Ex-prefeito de Bauru e ex-deputado federal por três mandatos consecutivos, o empresário Alcides Franciscato morreu na tarde de quarta-feira, 8, aos 94 anos. Ele estava internado no hospital Sírio-Libanês e a causa da morte não foi revelada. A pedido da família, a cerimônia fúnebre foi reservada somente aos parentes e amigos próximos.
Nascido em Piracicaba, Alcides Franciscato teve uma trajetória que se confunde com o sucesso empresarial, a vocação política e a ligação com os militares. Engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, ele tinha, na verdade, uma outra vocação.
Em 1952, Alcides passa a comandar a empresa de ônibus fundada pelo pai em 1927. Surge, então, um nome que se transformaria numa referência nacional de excelência no atendimento: a “Expresso de Prata”. O jargão “padrão prata de qualidade” virou uma frase entre empresários de ônibus que buscavam credibilidade. O empresário chegou a editar um jornal (“Super News”) que era distribuído aos passageiros da empresa de ônibus.
A “Expresso de Prata” sempre esteve à frente dos concorrentes mais próximos. Em 1958, por exemplo, seus ônibus foram os primeiros com toalete a bordo. A limpeza e conforto dos veículos foram padrões que Franciscato fazia questão de manter. A frota, aliás, sempre era composta dos mais modernos ônibus do mercado.
Franciscato tinha um costume que o aproximou dos funcionários. De vez em quando, ele mesmo vestia um macacão e trocava pneus dos ônibus ou ajudava a fazer algum reparo no motor. Esta tradição acabou quando ele virou político. No entanto, até o final da vida Franciscato morava na garagem da “Expresso de Prata” em São Paulo. Mesmo após passar dos 90 anos, ele acordava cedo e fazia ginástica.
Nos anos 1960, Alcides Franciscato decidiu entrar na política. Já era conhecido e respeitado, mas faltava uma comunicação maior com a população. Em 1967, ele fundou o “Jornal da Cidade”, que se transformaria no maior veículo impresso de Bauru. No ano seguinte, foi eleito prefeito de Bauru pela Arena, partido de sustentação do regime militar. Tinha 39 anos.
O jovem político percebeu o poder de um jornal e continuou investindo no “Jornal da Cidade”, que em 1972 seria o primeiro veículo impresso do interior a usar o sistema off-set de impressão. Além disso, o jornal ganhou uma sede enorme e estrutura de equipamentos só compatível com grandes veículos nacionais. Tudo, claro, financiado pelo dono por muitos anos, até que o jornal passou a ser lucrativo.
Na verdade, Franciscato acabou se apaixonando pelo jornal e, mesmo negociando várias empresas nas décadas seguintes, nunca pensou em fechar o “JC”. Ao contrário, bancava todos os prejuízos. Embora ligado ao regime militar, teve a ousadia de nomear como diretor do jornal o ex-vereador Nilson Costa, cassado pela ditadura por supostamente ter participado de um movimento sindicato a favor dos ferroviários. Anos depois, Nilson seria prefeito de Bauru.
Alcides Franciscato entrou na história da cidade como um prefeito “tocador de obras”. Abriu novas avenidas e modernizou Bauru. Quando deixou o governo, tinha planos políticos mais arrojados. Em 1974, foi eleito deputado federal e reeleito duas vezes consecutivas até 1987, quando deixou a política devido a um incidente que o marcou para sempre.
Neste período, fundou a “Construtora Prata” e a rádio Cidade (atual 96 FM) e comprou fazendas, além de investir pesado na “Expresso de Prata”. Quando a antiga TAM, empresa aérea fundada pelo comandante Rolim Amaro, implantou uma linha entre Bauru e São Paulo, a “Expresso” foi uma das pioneiras em oferecer serviço de bordo em ônibus. Era uma forma ousada de concorrer com um avião. Outro vilão, para Franciscato, era o trem.
Em 1976, ele acompanhava a comitiva do presidente Ernesto Geisel em Bauru, quando houve a explosão da avenida Nações Unidas, após um acidente de um caminhão transportando combustível. Geisel havia deixado o local minutos antes da explosão. Como deputado, Franciscato conseguiu do presidente, ainda em Bauru, uma verba para reconstruir a avenida que tinha acabada de ser inaugurada.
Nos anos 1980, Franciscato já era um político de renome nacional. Ligado aos militares que governavam o Brasil, ele cultivou a amizade com o ex-presidente Ernesto Geisel e foi ainda mais próximo do general João Figueiredo, o sucessor de Geisel que seria o último ditador do regime militar, entre 1979 e 1985.
Em 1982, em sua última reeleição, Franciscato fez campanha em Santa Cruz do Rio Pardo. O deputado recebeu o apoio, após uma reunião com um grupo de pessoas, do empresário Zillo Suzuki — candidato a vice-prefeito na chapa de Décio Mendonça. Na época, Zillo elogiou o ex-prefeito de Bauru, dizendo que estava “diante de um idealista”.
O problema naquela época é que a população já pedia o fim da ditadura e os protestos aumentavam a cada ano. Em 1983, o presidente Figueiredo foi diagnosticado com um problema grave no coração e foi operado em Cleveland, nos Estados Unidos. Alcides Franciscato foi um dos amigos que acompanharam a internação de Figueiredo.
No ano seguinte, veio a campanha das “Diretas Já”, com milhões de pessoas lotando comícios nas capitais para pedir eleições diretas para presidente. Um destes comícios aconteceu ao redor da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, e reuniu um milhão de pessoas.
O evento foi notícia em todos os principais jornais do País no dia seguinte. O presidente Figueiredo estava em Madrid, hospedado no “Palácio Real de El Pardo”, numa comitiva brasileira que incluía Alcides Franciscato.
Quando o deputado deixou uma reunião com Figueiredo, a imprensa o aguardava no saguão. A pergunta era óbvia, pelo momento político do Brasil: o que o general achou do comício no Rio de Janeiro com mais de um milhão de pessoas?
Franciscato deu uma resposta que acabaria com sua carreira política. “O presidente disse que, se estivesse no Rio, seria um milhão e um”, afirmou. A declaração soou como uma “bomba” nos meios políticos, porque a ditadura militar ainda tentava se manter no poder depois de duas décadas de autoritarismo.
Dois dias depois, ainda em Madrid, o presidente João Figueiredo desmentiu o deputado. “Eu não disse nada ao Franciscato. Não sei de onde ele tirou isso”, declarou o general. Constrangido e certamente pressionado a retificar suas afirmações, Alcides Franciscato deu declarações confusas horas depois. “O presidente não falou sobre o assunto. Então, eu estou fazendo apenas uma retificação, porque a imprensa noticiou aquilo que eu disse, mas na verdade não foi a interpretação que eu quis dar”, disse.
“Fiz uma troca de palavras”, disse ao jornal “O Estado de S. Paulo”, alegando que não era um político com intimidade com a tribuna. “Eu reconheço o meu erro e estou fazendo isto de público”, completou, cuja entrevista foi publicada na edição de 13 de abril de 1984. Porém, ele se declarou a favor da democracia e das eleições diretas.
Menos de dez dias depois, a Câmara dos Deputados votou a “Emenda Dante de Oliveira”, que estabelecia as eleições diretas. Embora alcançasse 298 votos a favor, ante 65 contrários, a emenda não atingiu o quórum e foi derrotada. Alcides Franciscato nem compareceu à sessão. Seu principal adversário na época, o deputado federal bauruense Tidei de Lima, votou a favor da emenda que era apoiada pela maioria esmagadora dos brasileiros.
O incidente encerrou a carreira política de Franciscato. Na verdade, durante anos ele carregou no bolso uma carta que ficou conhecida como “bilhete do perdão”. Segundo quem leu, era um manuscrito do próprio João Figueiredo pedindo desculpas por ter sido obrigado a desmentir Franciscato.
Provavelmente o general entregou o bilhete ao amigo como um consolo e com instruções claras: não levar à imprensa, mas com autorização para mostrar às pessoas próximas. Alcides Francisco foi fiel e nunca divulgou o bilhete à imprensa.
O fim do mandato de deputado federal, em 1987, também marcou a retirada de Franciscato da vida pública. Ele ainda iria influenciar a política de Bauru durante alguns anos, mas depois se recolheu para cuidar exclusivamente das empresas. A rádio 96 FM foi negociada e a “Expresso de Prata” foi vendida ao grupo que controla a Gol Linhas Aéreas.
Alcides Franciscato deixou a esposa Maria Deolinda (“Dona Lindinha”), com quem teve os filhos Sônia, Cláudia, Alcides Júnior e Ângelo Carlos. A prefeita Suéllen Rosim (PSD) decretou luto oficial em Bauru por três dias.
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