Fotografia do final de 2021 mostra a estrutura sendo construída e montada por servidores públicos da prefeitura
Publicado em: 01 de maio de 2023 às 06:03
Atualizado em: 02 de maio de 2023 às 15:08
Sérgio Fleury Moraes
A prefeitura de Ourinhos pagou R$ 56.793,91 no aluguel de um enfeite de Natal flutuante que, na verdade, foi construído pelos próprios servidores públicos. A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público pelo ex-vereador Cícero de Aquino. Na próxima quarta-feira, 3, a Câmara de Vereadores deverá receber um pedido de cassação do prefeito Lucas Pocay (PSD) pelas irregularidades.
O fato aconteceu no final de 2021, mas somente agora vieram a público as provas das irregularidades. E elas foram obtidas por acaso na época, quando o então vereador Cícero, juntamente com outros colegas da Câmara, fizeram uma fiscalização de rotina no setor de Obras da prefeitura. Na ocasião, a montagem da árvore foi exibida pela direção do setor e fotografada por Cícero. O vereador não imaginava que teria as imagens de um futuro escândalo na administração (leia nesta página).
A licitação autorizada pelo prefeito Lucas Pocay aconteceu no dia 4 de novembro de 2021, quando a estrutura possivelmente já estava sendo montada num espaço da prefeitura de Ourinhos. Apenas três empresas participaram do certame, duas de Londrina e outra de Bandeirantes, todas do Paraná.
A vencedora foi a “WM Carli Projetos de Iluminação” — com nome de fantasia “Carli Right” —, com sede em Bandeirantes. O pregão começou com um lance da empresa vencedora de R$ 665 mil. No entanto, 14 minutos depois a mesma empresa ofereceu o último lance, sensivelmente reduzido para o valor de R$ 350 mil, e foi declarada vencedora. Não houve recursos.
O serviço contratado seria a instalação de árvores e enfeites de Natal em vários pontos da cidade. O que chamou a atenção foi o item número quatro — a locação de uma árvore com plataforma flutuante, que foi instalada no interior do Lago Centenário, ao lado da avenida Luiz Saldanha Rodrigues, nas imediações do supermercado Pão de Açúcar.
Funcionários da prefeitura de Ourinhos também fotografaram a árvore de Natal no Lago Centenário, provavelmente para guardar como recordação de um empreendimento muito bem elaborado e construído. Foi a única estrutura natalina flutuante instalada num lago da cidade.
A prefeitura efetuou um pagamento parcial à empresa no dia 10 de dezembro de 2021, no valor de R$ 279.875,15, seguidos de mais dois valores quitados nos dias 15 de dezembro daquele ano e 19 de janeiro de 2022. Do total de R$ 350 mil, R$ 56.793,91 corresponderam ao aluguel da árvore flutuante construída pelos próprios servidores públicos.
A denúncia ao Ministério Público pede uma investigação contra o prefeito Lucas Pocay por crime de responsabilidade e improbidade administrativa. Afinal, foi o prefeito quem autorizou a licitação, assinou o contrato e homologou o resultado do certame. No entanto, a representação também inclui o secretário de Cultura, Vinícius Pereira Costa, e o representante da empresa “WM Projetos de Iluminação”, Wellington Marcos Carli.
A denúncia diz que a administração, “dolosa e despudoradamente”, liquidou as notas de empenho mesmo sabendo que a estrutura fora construída por servidores públicos no pátio da secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano, na vila São Luiz.
Há inúmeras fotografias que mostram a montagem da estrutura da árvore de Natal flutuante. Entre as imagens, está o transporte da estrutura para o lago, feito num caminhão pertencente à frota municipal.
Cópia da representação foi encaminhada à Procuradoria Geral de Justiça do Estado, órgão máximo do Ministério Público, e ao Tribunal de Contas de São Paulo. O documento pede que o MP faça a oitiva imediata dos servidores públicos para evitar algum tipo de assédio.
A reportagem procurou a administração municipal de Ourinhos em busca de informações. Dois assessores de imprensa foram encontrados e atenderam a ligação telefônica. O assessor João Paulo disse que não estava no trabalho na sexta-feira, enquanto a secretária adjunta Paola pediu ao jornal para enviar o pedido por escrito através do WhatsApp. Apesar das mensagens terem sido encaminhadas e lidas, não houve resposta por parte do setor de Comunicação da prefeitura.
Um assessor do secretário de Cultura foi o responsável pela fiscalização do contrato dos enfeites natalinos. Procurado por telefone, Altieres Antonio Nunes se surpreendeu ao saber que havia uma denúncia protocolada no Ministério Público. “Se há um processo, eu preciso fazer o acompanhamento antes de falar”, disse.
Perguntado se ele tinha conhecimento de que a estrutura havia sido construída por servidores públicos, Altieres desconversou. “Se está tudo em andamento, quem foi e quem comprou, é preciso ver esta denúncia, o que tem neste processo. Eu assinei como fiscal de contrato. Depois entro em contato e a gente pode sentar e conversar. Pode ser que esta estrutura seja outra”, afirmou o assessor.
Não é. As fotos da construção e instalação no lago mostram que a estrutura é única e foi aquela mesma “licitada” pela prefeitura como “árvore de Natal flutuante”. Servidores públicos também foram ouvidos pelo jornal e confirmaram a irregularidade, mas pediram o anonimato.
Há outras suspeitas sobre a propriedade real da estrutura instalada no Lago Centenário. Uma das cláusulas do contrato, por exemplo, determina a retirada da árvore de Natal a partir do dia 2 de janeiro de 2022, com prazo de dez dias. A estrutura, porém, está até hoje flutuando no lago do bairro Royal Park.
‘Não existe transparência
no governo de Lucas Pocay’
O ex-vereador Cícero “Investigador” Aquino foi quem denunciou ao Ministério Público a suposta fraude no aluguel de enfeites natalinos da prefeitura de Ourinhos. “Nós tivemos uma enorme dificuldade antes de fazer a denúncia porque não existe transparência no atual governo. No Portal da Transparência, por exemplo, há apenas sinais do que aconteceu”, afirmou Aquino.
Isto explica, segundo ele, o motivo da representação ter sido apresentada praticamente um ano depois das irregularidades. Cícero contou que as provas fotográficas foram obtidas quando ele e o vereador Guilherme Gonçalves faziam uma fiscalização de rotina no pátio da secretaria de Infraestrutura, em 2021. “Nós fomos verificar muitas coisas e, na época, o secretário nos mostrou a árvore de Natal sendo construída pelos funcionários. Aí eu aproveitei e fiz várias fotos”, contou Cícero Aquino.
O ex-vereador disse que, algum tempo depois, recebeu denúncias dos próprios funcionários de que a estrutura havia sido “alugada” por uma empresa à prefeitura de Ourinhos. “Levantei a documentação e percebi que muitos servidores têm receio de perseguição. Mas conseguimos vários documentos e, inclusive, fizemos a identificação de todos os funcionários que aparecem nas fotografias”, explicou.
Cícero também vai pedir uma investigação contra o prefeito Lucas Pocay (PSD) na Câmara Municipal de Ourinhos, solicitando a instalação de uma Comissão Processante. “Os vereadores precisam ser responsáveis e assumir uma atitude para apurar este crime de peculato. Na verdade, esta não é uma notícia ouvida numa padaria, mas um fato plenamente apurado e com farta documentação”, afirmou. “Não dá para varrer esta falcatrua por debaixo do tapete”.
O ex-vereador ressaltou que o fato de a estrutura ainda continuar no mesmo local desde o final de 2021 indica que pertence, na realidade, ao município. “Ela continua no lago. Se fosse alugado como enfeite de Natal, a prefeitura estaria pagando o aluguel até hoje?”, questionou.
Cícero disse que os gastos com enfeites natalinos em Ourinhos são exorbitantes se comparados a outros municípios. “Veja Ipaussu, cidade visitada por muitos ourinhenses no final de ano, que se transformou em referência turística em enfeites natalinos”, disse.
Segundo o ex-vereador, houve até visitas ao endereço da empresa que alugou os enfeites por R$ 350 mil à prefeitura de Ourinhos. “Ela fica em Bandeirantes, num local sem qualquer estrutura para este tipo de serviço. É simplesmente uma residência, uma espécie de empresa de fachada”, disse.
Cícero afirmou que a mesma empresa assinou outros contratos com a prefeitura de Ourinhos todo final de ano. “É sempre a mesma que vence a licitação e é preciso investigar se tudo não passa de uma negociata”, disse.
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